7 de julho de 2014

Inclusão de receitas do Refis em cálculo do superávit é criticado

Especialistas em contas públicas podem discordar em um ou em outro detalhe técnico em relação ao cálculo do superávit primário. Há quem entenda que se um Refis é realizado todos os anos, deixou de ser eventual e é um dinheiro legítimo para fechar as contas públicas. Para outros, a renegociação de débitos tributários com descontos generosos nem deveria existir, porque trata como tolo quem paga impostos em dia.
Considerá-lo no superávit, então, nem pensar. Saindo do árido campo da contabilidade, hoje é consenso entre eles que as demonstrações contábeis, por diferentes razões, inspiram cuidados. "Há um sinal amarelo nas contas públicas", diz Raul Velloso, especialista em finanças públicas.
O aumento de restos a pagar nas contas públicas também preocupa Velloso. "Restos a pagar é o último recurso da administração pública para fechar as contas e é uma ferramenta admissível para prefeituras e alguns Estados com limitações para fazer caixa ou tomar empréstimos", diz.
"Mas a União, que dá o exemplo e é a grande responsável pelo superávit, deve ter sobra de caixa e não deveria ter de passar para frente as despesas." O que preocupa Velloso é a eventual herança desse tipo de postura. "Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, uma gestão não pode deixar restos a pagar para a gestão seguinte", diz.
Mensalmente, ele observa receitas e despesas da administração pública e tem convicção de que em algum momento a conta não vai fechar.
Segundo ele, até 2008, ambas cresciam a taxas médias anuais de 9%. De lá para cá se estabeleceu um descompasso entre elas. As despesas aumentam cerca de 6% ao ano, enquanto as receitas não passam de 3%. Em alguns meses chegam a ser negativas. "Não podemos continuar fugindo do cerne dessa discussão", diz Velloso "O problema é o modelo: o crescimento está baixo, as receitas caem, mas o governo insiste em não cortar gastos."
O economista Amir Khair, ex-secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo na gestão petista de Luiza Erundina, segue a mesma linha de raciocínio: "A União é vítima de sua política econômica". Por ter visto a gestão pública por dentro, o economista Khair identifica que elevar restos a pagar "nunca" é um sinal confortável porque indica, por qualquer razão que seja, que pagamentos estão sendo protelados.
O que mais chama a sua atenção é saber que um volume tão elevado de subvenções e subsídios a bancos públicos (os R$ 21 bilhões identificados no estudo da Tendências) esteja registrado como "restos a pagar não processados". "Não é possível: se o dinheiro foi para banco e entrou, é despesa efetiva e precisa ser registrada no primário", diz Khair.
Em retrospecto, o Brasil já se deu mal com a falta de transparência. Nos anos 80 e início dos 90, estratégias como congelamento de tarifas, uso indevido do caixa de bancos públicos e maquiagem de déficits orçamentários de Estados e municípios geraram esqueletos bilionários. "O que precisa ser feito é reforma estrutural", sugeriu Gabriel Barros Leal, analista de Finanças Públicas e Crédito do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV). 
 
 
 
DCI SP

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