19 de janeiro de 2015

Despertando o leão

Durante a campanha eleitoral, em mais de uma ocasião, a presidente Dilma Rousseff negou a intenção de aumentar impostos, caso vencesse a disputa por mais um mandato no Palácio do Planalto. No debate na TV Globo com o adversário no segundo turno, Aécio Neves (PSDB), ela atribuiu aos adversários tucanos a prática de elevar a cobrança de tributos. Com o triunfo nas urnas e a posse para a segunda temporada na Praça dos Três Poderes, a prática contrariou o discurso. As incoerências entre a retórica da candidata e as ações da governante apareceram logo na primeira quinzena de janeiro. Chamado para tentar reorganizar as contas públicas – afetadas por erros da administração petista –, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, aos poucos sinaliza as medidas que serão tomadas em breve para reforçar o caixa do governo. As mordidas no bolso dos brasileiros serão dadas aos poucos, para não ser caracterizada como um “pacote”, modelo de mexidas na economia que provocou traumas no passado.
Embora Levy diga que não tem um “saco de maldades” para a população, na lista de ações previstas para as próximas semanas estão velhos mecanismos de arrecadação usados em diferentes graus de intensidade nas últimas décadas. Uma medida já acertada é a volta da Cide, a contribuição sobre comercialização de combustíveis criada em 2001. Desde 2012, a alíquota foi reduzida a zero, mas agora deve retornar para ajudar a cobrir os buracos abertos no orçamento federal com o crescimento das despesas do governo Dilma.
Outra medida é uma mudança na tributação de profissionais que prestam serviço por meio de empresas individuais. São pessoas jurídicas que, hoje, pagam pouco mais de 4% de Imposto de Renda. A proposta montada pelo governo, segundo afirmou Joaquim Levy em conversa com jornalistas na semana passada, equipara essa alíquota à de trabalhadores com carteira assinada, de até 27,5%. As medidas em estudo sobre o IR também podem atingir investimentos financeiros, como Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs).
A decisão do governo de esquecer o que foi dito na campanha eleitoral do ano passado vai provocar impacto também no faturamento das empresas. Nessa linha, o reforço de caixa será feito com o aumento do PIS/Cofins para bens importados e a instituição desses tributos na distribuição de produtos cosméticos e artigos de higiene pessoal. No caso das importações, essa medida tem também o objetivo de agradar aos setores privados nacionais que concorrem com empresas estrangeiras exportadoras para o Brasil.
Uma das primeiras decisões tomadas com o objetivo de engordar a arrecadação foi anunciada ainda no ano passado. O dia em que a presidente Dilma iniciou seu segundo mandato marcou também o retorno da cobrança de IPI e ICMS sobre o comércio de automóveis. Desde a crise econômica mundial do final da década passada, o governo usa a isenção desses impostos para estimular a venda de carros no País. No início, a fórmula deu certo para manter esse mercado aquecido, mas com o tempo ficou evidente que se tratava de uma distorção que privilegiou um setor específico e abarrotou as ruas e estradas do Brasil de carros, o que agravou ainda mais os gargalos de mobilidade nas principais cidades do País. Com o fim dessas isenções, o setor automobilístico teve a crise agravada e iniciou uma fase de demissões que atingiu milhares de trabalhadores na região de São Bernardo do Campo (SP), berço do sindicalismo que levou à criação do Partido dos Trabalhadores (PT) e à eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República em 2002. Nesse contexto, as dispensas dos empregados das fábricas de carros se tornam um grande símbolo das dificuldades enfrentadas pela economia brasileira no início do quarto governo petista.
Se de fato não há “maldades” nas intenções da equipe econômica, não resta dúvida de que existe um “pacote” de incoerências com o que foi pregado pelo governo e pelo PT ao longo do tempo. Uma das bandeiras históricas do partido nessa área é a taxação das grandes fortunas. O desejo de cobrar mais imposto dos muito ricos foi reafirmado pela bancada do PT na Câmara. Essa proposta tem muita receptividade entre os militantes petistas e soa muito bem em períodos eleitorais, mas na prática nunca foi aplicada. Agora, tudo indica, que mais uma vez não será contemplada pela equipe econômica.
Diante da gravidade do desarranjo nas contas públicas, não se questiona a urgência de medidas austeras para os brasileiros. Isso não significa, no entanto, que seja normal um candidato pregar uma coisa durante a campanha e fazer o contrário no exercício do poder. Esse tipo de comportamento ajuda a ganhar eleição, mas causa profundos danos no processo democrático. Se não existir uma relação direta entre promessas e atitudes, também não há compromisso entre governante e eleitor. Isso é exatamente o oposto da democracia.
Fonte: Isto É

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