19 de fevereiro de 2015

A quem interessam os juros altos?

Não pense que aumentar a chamada taxa Selic vai realmente controlar a inflação no País. Os juros altos servem a outros interesses, e eles não são coletivos.
Por muito tempo, o problema da fome e da miséria no Brasil parecia insolúvel. Até o começo deste século, convivíamos com mortalidade infantil, desnutrição, falta de condições básicas de vida, sem que isso provocasse uma séria indignação coletiva. Sem que uma revolta da sociedade, mesmo daquela parte que não sentia na pele os efeitos da fome diária e permanente, forçasse uma solução rápida e definitiva.
É impossível negar, por mais resistência que essa tese sofra na politebol (política tratada com a paixão cega do futebol), que a solução veio com a chegada de Lula e o PT à Presidência da República. É possível discutir a evolução do atual Bolsa Família, mas que o programa era necessário, e foi um marco histórico para o País, não há dúvidas.
Bom, estamos nesse momento sofrendo com outro problema, muito menos grave, mas que parece ser igualmente, e aparentemente, tão difícil de resolver. Os juros. Desde 1998, a taxa Selic, definida pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central, ficou abaixo de 10% ao ano em um período total aproximado de três anos. Entre junho de 2009 e junho de 2010, os juros variaram de 9,25% para 9,50% ao ano, para depois chegar a 10,25%. Entre março de 2012 e novembro de 2013, a Selic também variou dentro desse patamar. Nesse período, chegou a ficar em 7,25%, entre outubro de 2012 e abril de 2013.
E por que retrocedemos? Por que hoje temos uma taxa de 12,25% ao ano, com a possibilidade de chegarmos a 13%? Inflação? Segundo ressalta o especialista em finanças públicas, Amir Kahir, a política de juros no Brasil tem influência sobre cerca de 20% da variação de preços no Brasil. Ou seja, juros não servem como receita para controlar inflação.
Acontece que os juros altos interessam a muita gente. A começar pelos beneficiários mais óbvios. Os bancos. Quando olhamos os balanços de Itaú, Bradesco e Santander, o crédito para grandes empresas cresceu no ano passado, enquanto que para as pequenas empresas, quando a carteira não apresentou queda, avançou em ritmo muito menor. Com os juros no patamar atual, o setor financeiro no Brasil não precisa correr riscos.
E isso fica mais fácil a medida que o mercado de capitais está difícil de ser acessado. Para conseguir recursos, o setor produtivo no Brasil precisa correr aos bancos, que podem escolher para quem emprestam. Ao mesmo tempo, o investidor, especialmente o estrangeiro, não tem muito interesse em investir recursos em ativos mais arriscados que os títulos públicos. Com juros na Europa em patamares reais negativos, e nos Estados Unidos ainda muito baixo, é fácil ganhar dinheiro no Brasil. Mesmo em momentos de turbulência política.
Por último, os juros altos também interessam ao governo. É um raciocínio que só consegue ter lógica no Brasil. Por não conseguir cortar gastos, o poder público brasileiro precisa de uma fonte inesgotável de dinheiro. Quando se oferece ao investidor um título que paga o dobro da inflação, é natural que haja uma forte demanda. E o Tesouro Nacional consegue rolar dívidas, ou até aumentar essas dívidas, sem dificuldades. E isso adia a tarefa mais difícil, e mais correta, de cortar custos e combater o desperdício de dinheiro público.
Como se percebe, não será fácil trazer a taxa de juros para patamares civilizados. No Chile, a taxa de juros está em 3,5% ao ano. Ou seja, os exemplos não estão nos longínquos países desenvolvidos. Mas como a fome, a solução pode ser adiada, mas é só questão de tempo. Logo, vamos perceber que estamos rasgando dinheiro. Público e privado.
Fonte: DCI. Por Renato Carvalho.
 

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