25 de fevereiro de 2015

Por que os ricos pagam menos impostos do que os pobres

Uma das âncoras de salvamento do segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff pode ser retomar aquilo que o ex-presidente Lula sabia fazer como poucos, goste-se ou não do seu governo: conciliar interesses aparentemente inconciliáveis. Em português mais claro, dar uma cravo, outra na ferradura.
Se optou por um nome como Joaquim Levy para comandar o Ministério da Fazenda, com a promessa de executar um duro ajuste fiscal e resgatar a confiança dos “mercados”, Dilma também pretende manter direitos sociais – ainda que uma das primeiras medidas anunciadas pela nova equipe econômica, tenha sido justamente… a supressão de direitos sociais.
Se quiser ser levada a sério nessa estratégia de frentes múltiplas, a presidenta deveria ouvir o que economistas e especialistas tributários têm alertado – a histórica, perversa e complicada injustiça do sistema de impostos do País.
É um sistema feito para poucos entenderem. Difícil na forma, mas simples no resultado: na prática, os ricos pagam proporcionalmente menos que os pobres.  Uma engrenagem que, no fundo, a proposta de ajuste fiscal sugerida pelo ministro Joaquim Levy apenas agrava. A saber:
1. No Brasil, os impostos diretos, como o IPI e o ICMS, representam quase metade do total da carta tributária. Como se sabe, esses impostos incidem sobre os gastos da população na aquisição de bens e serviços, independentemente do nível de renda de quem os adquire. Pobres, ricos ou classe média pagam rigorosamente a mesma alíquota para pagar o fogão e a geladeira. Mas o Leão devora a fração maior das rendas menores. Democraticamente.
2. Enquanto isso, os chamados encargos sociais representam cerca de 25% da carga total. O ônus aí se distribui entre empregados e empregadores.
3. Já o Imposto de Renda contribui com modestos 20% – ou um pouco menos – para a formação da carga tributária total. E de maneira inversamente democrática. Há estimativas que sugerem o seguinte: enquanto os que ganham até dois salários mínimos recolhem ao Tesouro quase 54% da renda, aqueles que recebem acima de 30 salários mínimos contribuem com menos de 29%.
Os números acima não são novos. Fazem parte de um estudo da professora Lena Lavinas, da USP, chamado A long way from Tax Justice: The Brazilian case. Como o próprio título informa, trata-se de uma análise sobre o caso brasileiro de justiça tributária. Ou injustiça.
Hipertributação da renda, subtributação do patrimônio
Enquanto isso os impostos sobre o patrimônio são desprezíveis, empenhados em beneficiar a riqueza imobiliária e financeira dos mais ricos. (Neste caso, não raro se justifica a ausência de taxação para não “inibir” os investimentos.).
O site Carta Maior fez um brilhante especial sobre impostos no País. “Em tese, a política fiscal seria o espaço da solidariedade no capitalismo”, escreveu o advogado Joaquim Palhares, diretor do site, na apresentação do especial. “Caberia a ela transferir recursos dos mais ricos para os fundos públicos, destinados a contemplar os mais pobres e o bem comum”.
Palhares é um homem rico. Mas inteligente e socialmente responsável o suficiente para entender que não se constrói um país desenvolvido sem laços e valores compartilhados em direitos e deveres comuns – e o tamanho da carga tributária e sua divisão desigual (isto mesmo, desigual) entre ricos e pobres são fundamentais para uma desconcentrar uma economia e uma sociedade.
O sistema brasileiro é o inverso disso. Não importa a renda do consumidor: ganhe um ou 100 salários mínimos por mês, o imposto que paga por litro de leite ou por uma geladeira o mesmo.
Em contrapartida, o imposto sobre o patrimônio, que incide diretamente sobre os endinheirados, não chega a 3,5% da arrecadação total no Brasil. Na Coreia do Sul, esse índice é de 11%. Nos EUA, acima de 12%.
O detalhe perverso dessa engrenagem é que aqueles que estão no topo da pirâmide social obtêm seus rendimentos sobretudo do capital. Pegue-se, por exemplo, os rendimentos vindos daí em alguns países: França, 38,5%; Canadá, 31%. Alemanha, 26,40%; EUA, 21,20%; Turquia, 17,50%.
E no Brasil? 0,00%.
Como afirma o economista francês Thomas Piketty, tornado celebridade desde a publicação do seu tratado sobre desigualdade, O capital no século 21, se o capital financeiro rende mais que o crescimento da economia – como tem sido sistematicamente o caso do Brasil – consolida-se uma casta de riqueza inoxidável que se desloca da sociedade e perpetua a desigualdade.
Endividamento público e juros altos
Sem espaço para taxar endinheirados e seu patrimônio, governos passaram a compensar com uma alternativa: o endividamento público. Emprestam e pagam juros por aquilo que deveriam arrecadar. E aí vêm os juros altos – mais conta paga também pelo consumidor.
Coisa que o economista Luiz Gonzaga Belluzzo provoca, com ironia: “É pelo menos curioso que os idealizadores do ‘impostômetro’ não tenham pensado na criação do ‘jurômetro’. Afinal, diz ele, o Brasil atirou no colo dos detentores de riqueza financeira, nos últimos 18 anos, um PIB anual, mais um quarto.
E nem Fernando Henrique, nem Lula, muito menos Dilma Rousseff ousaram mexer nesse vespeiro.
Fonte: IG
 

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