6 de abril de 2015

Ajuste fiscal bom é no bolso dos outros

O jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues é o autor de uma frase que se tornou célebre. “Toda unanimidade é burra”, disse ele, na década de 1960. No Brasil do século XXI , no qual os ânimos estão acirrados e o clima de Fla-Flu monopoliza as discussões políticas, há um raro consenso. É difícil encontrar quem não defenda um ajuste fiscal nas contas do governo federal como condição essencial para o País voltar a crescer no médio prazo. Mas há um porém, como diria o cantor Paulinho da Viola, em seu famoso samba “Foi um rio que passou em minha vida”. Todos são a favor desde que não mexam no seu bolso.
O empresário Benjamin Steinbruch, em artigo recente no jornal Folha de S. Paulo, defendeu a melhoria das contas públicas. Mas fez a ressalva. “Os ajustes fiscais que estão sendo feitos na economia são necessários, mas não podem se concentrar em medidas que pegam de surpresa e sufocam ainda mais os setores produtivos e os consumidores”, escreveu o dono da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Em uma reunião na sede da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), em março, empresários e sindicalistas, em um momento raro, se uniram nas críticas ao governo e, por unanimidade, aprovaram uma oposição ferrenha as medidas que reduzem benefícios trabalhistas e subsídios fiscais às empresas.
Até mesmo o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, aliado de todas as horas do PT, chamou o ajuste fiscal de “medida estapafúrdia”. Mas sua ira era contra os cortes em programas sociais. "O governo meteu os pés pelas mãos, criou uma agenda negativíssima. Eu fico muito surpreso quando o governo eleito adota medida ortodoxa. Significa paralisação da economia, recessão. Para o trabalhador, significa desemprego”, afirmou o dirigente sindical. O próprio governo federal faz jus ao lema de que em casa de ferreiro, o espeto é de pau.
A presidente Dilma Rousseff aumentou impostos e reduziu benefícios sociais. Mas, até agora, não deu um exemplo mais efetivo de que vai cortar na própria carne. De concreto, acenou de forma tímida com a possibilidade de reduzir os atuais 39 ministérios para apenas 20. O parlamento, que deveria votar as medidas propostas pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, além de dificultar as negociações, aprovou o chamado orçamento impositivo, que obriga o governo a pagar as emendas dos deputados federais e senadores. Na prática, significa que elas não podem ser contingenciadas.
Resumindo: os gastos vão subir. Nesse imbróglio todo, Levy parece pregar no deserto a favor de um ajuste de 1,2% do PIB. “Temos que estar atentos ao risco para evitar que o país perca o grau de investimento. O custo será altíssimo para governo, com o aumento do custo da dívida, para as empresas e para o trabalhador, que vai viver em um país com mais dificuldades”, disse o ministro, em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal
Parece claro que é preciso realizar um duro ajuste fiscal. É legítimo o direito de os envolvidos espernearem contra as medidas que os afetam. Mas, em um momento como esse, todos deveriam ceder. A cota de sacrifício, no entanto, não deveria ser igual para todos. A começar pelo governo federal, que provocou esse desequilíbrio nas contas públicas. Em seguida, pelos empresários, que tanto dinheiro ganharam na última década com a expansão da classe média emergente. E, por fim, pelos trabalhadores, que, desde que Pedro Álvares Cabral aportou por aqui, pagam a conta.
Fonte: Isto É Dinheiro

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