4 de maio de 2015

Crise faz o crédito secar para as empresas

Nos primeiros três meses de 2015, contratação registrou recuo de 14% em relação ao quarto trimestre do ano passado
A forte restrição dos bancos à concessão de crédito tem travado os negócios das empresas em vários setores da economia. Com o caixa debilitado pelo baixo desempenho econômico e sem acesso a linhas de crédito para capital de giro ou investimentos, as companhias começam a enxugar as estruturas, reduzir o quadro de funcionários e adiar pagamentos.
Nos três primeiros meses do ano, a concessão de crédito para empresas no País caiu 14% em relação ao quarto trimestre de 2014, de R$ 429,5 bilhões para R$ 407,3 bilhões, conforme relatório do Banco Central. No mesmo período, entretanto, a demanda por empréstimos continuou em alta: subiu 9,7%, segundo a Serasa Experian. "Se esse indicador está crescendo e a concessão caindo é sinal que os bancos estão mais seletivos na liberação de crédito", explica o economista da empresa, Luiz Rabi.
Além do recuo no volume concedido, as taxas de juros aumentaram, os prazos de pagamento dos empréstimos diminuíram e a inadimplência cresceu. Pelos dados da Serasa, o atraso nos pagamentos de despesas financeiras e não financeiras avançou 12% no primeiro trimestre, demonstrando a dificuldade das companhias diante da queda da atividade, custos mais elevados (energia elétrica e combustíveis, por exemplo) e escassez (e encarecimento) de crédito.
"Hoje, o principal problema das empresas é a falta de crédito. Se nada for feito, poderá haver um colapso que vai travar ainda mais a economia. Isso precisa ser olhado com urgência pelo governo", afirma o diretor da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), José Ricardo Roriz. Ele acredita que a Operação Lava Jato, que investiga corrupção em contratos da Petrobras, tem ajudado a secar o mercado de crédito, já que alguns bancos terão prejuízos com operações feitas com empresas envolvidas no escândalo.
"Mas mesmo quem está fora dessa confusão vem sendo punido. Os bancos públicos, o Bndes, não podem fechar as portas para o setor produtivo", reclama o executivo. No Bndes, fonte mais barata de financiamento para as empresas, o crédito com recursos direcionados (voltado para determinado segmento ou atividade) despencou 44,6% de janeiro a março comparado ao último trimestre de 2014, segundo o relatório do Banco Central.
A linha voltada para o capital de giro das empresas teve o maior baque na liberação: queda de 79,1% no período. O financiamento a investimentos caiu 43,6% e os empréstimos para o setor agroindustrial, 35,7%. Procurado, o banco de fomento não atendeu ao pedido de entrevista.
No sistema financeiro como um todo, as modalidades de crédito que têm o objetivo de antecipar receitas são as mais afetadas pelo aperto dos bancos. No dia a dia, normalmente as companhias costumam entregar faturas, duplicatas e cheques a prazo para os bancos, pagam uma taxa de juros e recebem na hora o dinheiro que entraria no caixa apenas no futuro. Essas operações ajudam a equilibrar o caixa das empresas com as despesas que precisam ser pagas dentro do mês. A queda na concessão dessa modalidade foi de 21,4%.
"Sem esse dinheiro, muitas empresas, especialmente as de menor porte, podem ter sérios desequilíbrios no caixa", afirma o professor de Economia e coordenador dos cursos de extensão do Ibmec/RJ, Daniel Sousa. Segundo ele, algumas empresas podem até conseguir crédito nos bancos, mas o custo e as exigências serão bem maiores que antes. Na média, a taxa anual de juros do sistema financeiro para pessoa jurídica subiu de 16,5% em dezembro de 2014 para 18,1% em março.
"A falta de crédito aliada a alta de custos está sufocando as empresas. Daqui a pouco vamos ter um estrangulamento da capacidade produtiva. O resultado será reduzir o nível de atividade e de emprego", afirma o diretor superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel. Segundo ele, a situação está tão complicada que já há inadimplência até em contratos com o Bndes – a fonte mais competitiva do mercado.
Apesar das reclamações de crédito mais curto no sistema financeiro, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou, em nota, que a expansão do crédito deve continuar no País, tanto para empresas como para pessoa física, mesmo diante de uma conjuntura econômica menos favorável, de ajustes em várias frentes.
Mercado de capitais deixou de ser uma boa alternativa
A situação das grandes empresas também não tem sido fácil nos últimos meses. Depois de surfar na onda do mercado de capital nos últimos anos – com emissão de ações, debêntures, comercial papers e bônus -, em 2015, elas pisaram no freio. As operações no mercado doméstico e internacional tiveram o pior resultado dos últimos sete anos, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
O total de recursos levantado pelas companhias brasileiras no mercado apresentou queda de 82,5% em relação a 2014 e foi inferior até mesmo ao resultado de 2009, que já tinha sido ruim. No primeiro trimestre de 2014, foram captados R$ 66 bilhões. Neste ano, o volume foi de R$ 10,1 bilhões.
A preocupação, nesse caso, é com as empresas que têm vencimento de dívidas (especialmente em dólar) neste ano – da ordem de R$ 150 bilhões. Normalmente, as companhias não pagam esses valores. No jargão do mercado, dizem que elas "rolam" as dívidas. Ou seja, emitem novos papéis para pagar os antigos.
"Ainda há interesse do investidor estrangeiro pelo Brasil. Mas eles estão aguardando para ver se o plano de ajuste do governo vai dar certo ou não", afirma o economista Ernesto Lozardo, professor da FGV São Paulo. "O cenário de ajuste é difícil. Não vamos crescer este ano, mas a expectativa é de melhora. Nos próximos dois anos, o País estará mais arrumado."
Segundo ele, hoje há um descompasso entre o ajuste econômico proposto pelo governo e a disposição política no Brasil. "A rivalidade de partidos no Congresso contra o governo cria uma expectativa negativa para aprovar o plano."
Além disso, diz ele, a taxa de juros em alta desincentiva as operações no mercado de capitais. Se o papel do governo paga uma taxa alta, porque o investidor vai se arriscar comprando o papel de uma empresa privada, questiona ele. Nesse cenário, a preocupação da Associação Brasileira de Infraestrutura (Abdib) é com o programa de concessão que o governo federal promete lançar ainda neste ano. "Estamos trabalhando nesse assunto e o que mais chama a atenção é o crédito." Segundo o vice-presidente executivo da associação, Ralp Terra, o governo terá de criar condições para garantir a atratividade para o investidor privado.
Dono de transportadora teve que demitir 20% dos seus empregados
Há pouco mais de um ano, o empresário Valdir Santos, presidente da transportadora ASA Express, sofria com os problemas decorrentes da forte demanda no setor rodoviário. Parte da frota de 1.200 caminhões ficava parada por falta de motoristas e pela demora na entrega de pneus.
Hoje, os problemas são inversos. Com a queda de 30% na demanda e aumento no custo fixo, ele já cortou 20% do quadro de funcionários. "E, nessas horas, os bancos viram as costas para a gente", afirma ele, destacando a dificuldade que tem sido conseguir crédito na praça.
Como o prazo de pagamento dos clientes é de 30 dias, era comum a empresa usar as faturas para antecipar a receita. "Não estão mais liberando essas operações. Tentei com um banco e não consegui. Tive de ir para outra instituição, que me ofereceu um empréstimo com exigência de garantias e com custo maior", conta o empresário.
Segundo ele, algumas empresas do setor não têm conseguido aguentar a pressão e estão fechando as portas. O problema é o descompasso entre receitas e despesas. O combustível aumentou e, com a nova lei dos motoristas, os custos de pessoal também avançaram. Junta-se a isso o fato de a infraestrutura precária das estradas ter elevado o custo de manutenção dos caminhões – só de pneus são 1,5 milhão de unidades que precisam ser trocadas regularmente.
Fonte: Jornal do Comércio

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