26 de maio de 2015

Na era dos smartphones, e-mails e ligações fora do trabalho exigem hora extra?

Os smartphones fornecidos pelas empresas aos seus funcionários têm eliminado a separação entre o dia de trabalho e as horas de descanso. Para patrões e empregados, e-mails do chefe às 20 horas não interrompem apenas a vida doméstica. Eles também estão levantando questões jurídicas.
Em vários processos há alegações de que as empresas esperam que seus funcionários trabalhem sem remuneração durante as horas de descanso via iPhones, BlackBerrys ou outros dispositivos digitais. O número de ações e opiniões jurídicas é relativamente pequeno por enquanto, mas advogados dizem que uma nova atitude compreensiva entre os juízes e mudanças nas leis trabalhistas federais a serem introduzidas em breve nos Estados Unidos poderiam abrir a porta para muito mais processos.
Cerca de 44% dos usuários da internet fizeram regularmente algumas tarefas relacionadas a seu emprego fora do local de trabalho no ano passado, frequentemente usando tecnologias como smartphones, segundo o Pew Research Center. Embora quase metade dos funcionários pesquisados tenha dito que a tecnologia os ajuda a desempenhar melhor suas funções profissionais, 35% disseram que ela aumenta o número de horas trabalhadas.
“A tecnologia começou com o ‘pager’, para emergências”, diz Linda Doyle, sócia da área de gestão do escritório de advocacia McDermott Will & Emery LLP, de Chicago. “O assistente executivo ou o engenheiro de manutenção tinha um e ele era usado raramente. Agora é assim: ‘Aqui está um smartphone e eu espero que você o cheque’ mesmo que isso não seja dito.”
A escassez de pareceres jurídicos sobre trabalhar remotamente com o auxílio da tecnologia gera incertezas na área. Referências a BlackBerrys e smartphones começaram a aparecer em queixas há menos de dez anos, e a maioria foi considerada como queixas individuais ou teve o status de classe negado, então não serve como precedente para ações envolvendo um grande grupo de funcionários.
Além disso, casos classificados como ações coletivas geralmente acabam em acordo firmado fora dos tribunais, dizem advogados, porque é mais barato para a empresa fazer acordos e pagar salários retroativos do que embarcar em uma batalha jurídica prolongada.
Mas o cenário jurídico está mudando. Nos EUA, regras federais atualmente determinam que os trabalhadores que ganham mais de US$ 23.660 por ano podem não ser elegíveis a horas extras. Os deveres do funcionário, seja ele ou ela assalariado ou pago por hora, e quanto tempo ele ou ela gasta trabalhando durante as horas de descanso, pode mudar a equação. Em geral, isenções amplas reduziram o número de funcionários que podem requerer o pagamento de horas extras.
Novas regras do Departamento do Trabalho dos EUA previstas para entrar em vigor nos próximos meses devem elevar o piso salarial e incluir milhões de americanos sob a Lei de Padrões de Trabalho Justo, que protege o direito dos trabalhadores às horas extras. No início deste mês, a agência submeteu sua proposta ao Escritório de Gestão e Orçamento, que irá analisá-la e depois submetê-la a consulta pública.
Quando as novas regras estiverem em vigor, mais trabalhadores poderão entrar com processos como o aberto pela equipe de vendas da T-Mobile USA Inc. TMUS +1.19%em 2009, cujos integrantes afirmaram que ganharam BlackBerrys para trabalharem entre 10 e 15 horas a mais por semana durante as horas de descanso, respondendo e-mails e mensagens de texto de clientes e de outros funcionários. Eles alegaram que a T-Mobile exigia que eles entregassem cartões de visita com seus números de celulares, para que os clientes pudessem contatá-los a qualquer hora. Em 2010, a T-Mobile pagou uma soma não revelada para encerrar o processo.
“Nossa política sempre foi de que se os empregados trabalham fora de seu horário normal, eles devem relatar esse tempo para o sistema de cronometragem da T-Mobile e eles seriam pagos por isso”, disse a porta-voz da empresa, Annie Garrigan.
O piso de salário semanal de US$ 455 (o equivalente a US$ 23.660 por ano) limitou casos semelhantes, dizem advogados. Segundo a Casa Branca, cerca de 88% dos trabalhadores assalariados podem hoje ser ilegíveis para o pagamento de horas extras por conta daquela regra, ante 35% em 1975, quando o piso era de US$ 250 por semana. Em 2014, o presidente Barack Obama ordenou ao Departamento de Trabalho para atualizar as leis de horas extras, especialmente o piso salarial.
Observadores esperam que as novas regras possam elevar o piso para cerca de US$ 50 mil por ano. Um porta-voz do departamento não quis detalhar o conteúdo da proposta.
“As pessoas que ganham US$ 30 mil ou menos [por ano] geralmente não estão em cargos que exigem acesso remoto [para trabalhar em computadores e sistemas]. Mas se você elevar o piso para US$ 55 mil, você inclui muita gente que está acostumada ao acesso remoto”, diz o advogado Paul Lukas, sócio da empresa Nichols Kaster PLLP, de Minneapolis, que defende trabalhadores.
Advogados que representam empregadores dizem que os juízes parecem estar levando mais seriamente as alegações de trabalho remoto não remunerado e recentemente estão mais dispostos a transformar os processos em ações coletivas. Segundo Doyle, antes os juízes costumavam dizer que o uso dos dispositivos pelos funcionários variava demais.
“Agora todo mundo tem um smartphone e muitos desses empregadores pelo menos tacitamente sugerem que você esteja disponível 24 horas por dia, sete dias por semana, então as cortes estarão um pouco mais propensas a ver isso como política da empresa”, diz ela.
Mas mesmo os escritórios de advocacia que defendem os funcionários enfrentam desafios para praticar as regras. “Nós ensinamos as pessoas a trabalharem nas horas de folga”, diz Lukas, sobre a política de sua empresa. “Nós pagamos e elogiamos esses funcionários. Mas quem são eles? Eles são seus melhores empregados. São aqueles que querem que o trabalho seja feito direito. O empregado [com desempenho] fraco não vai atender ao telefone no domingo à noite.”
The Wall Street Journal Brasil
 

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