15 de junho de 2015

Desemprego chega às micro e pequenas empresas

Há 22 anos no mercado e experiente em crises, a Tecstam Forjaria e Estamparia está com dificuldades em manter os negócios andando, conforme afirma o sócio Humberto Gonçalves. Com queda de 30% no faturamento desde o início do ano, a pequena indústria paulistana cortou tudo: gastos com energia, água, papel e funcionários.
Dos 42 empregados que, na maioria já somavam “bons anos de casa”, a empresa precisou demitir seis. Todos escolhidos a dedo entre os que tinham até um ano de trabalho ou que não fossem casados e com filhos. Não havia ressalvas de produtividade ou razões objetivas para o desligamento – a ideia era ter condições de segurar o maior número de empregados possível.
O motivo desse corte, segundo Gonçalves, é a diminuição no número de pedidos: os clientes só querem quantidades exatas e no prazo de que necessitam. “Além de a crise ter derrubado os negócios, não há capital (para crédito) disponível”, diz Gonçalves. 
A paulistana Speciallitá Esmaltes sempre manteve a fábrica rodando com 70 funcionários em média, tendo chegado a 120, incluindo os temporários, para dar conta dos pedidos extras. E nem faz tanto tempo assim: há cerca de um ano, seu esmalte azul Hit Giô virou queridinho nas mãos da personagem da atriz global Giovanna Antonelli, que já havia licenciado a marca para outros produtos.
Na época, o faturamento cresceu cerca de 60%, segundo Orestes Polisel, gerente de marketing . “Saímos do Simples, então viramos gente grande para o governo”, diz. Obviamente, os custos aumentaram. Porém, com o setor de cosméticos afetado pelo cenário atual de crise e aumento de carga tributária, os pedidos de drogarias e perfumarias foram reduzidos em quase 30%.
Recentemente, a empresa chegou a dar até férias coletivas. Agora, conta com apenas 40 funcionários ativos na fábrica. “Desequilibrou a balança entre receitas e gastos”, diz Polisel.
"Quando o principal polo gerador de empregos despede, é porque o ‘tempo fechou’.” O diagnóstico de José Pastore, sociólogo da FEA-USP e especialista em relações do trabalho, dá uma ideia a respeito da reversão de expectativas entre as micro e pequenas empresas (MPEs), que respondem por 84% dos postos de trabalho gerados no país.
De acordo com o mais recente levantamento do Sebrae, em abril, as micro e pequenas registraram perda de 1.090 vagas. Mesmo representando apenas 1,1% do saldo negativo total de 97,8 mil registrados no Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho e Emprego), é a primeira vez, desde 2009, no auge da crise global, que as empresas do segmento encerram o mês eliminando postos de trabalho.  
BAIXA CONFIANÇA, ANO PERDIDO
Na divisão por setor, a indústria foi a mais afetada, com a perda de 17,4 mil vagas, seguida pelo comércio, com 11,7 mil extintas. Apenas o setor de serviços surpreendeu, com saldo positivo de 27,6 mil.
A retração das grandes empresas de construção civil e de fornecedores de serviços e equipamentos da Petrobras já começa a inibir a criação de novos postos de trabalho. O cenário difícil deve se arrastar até 2016, de acordo com Pastore –a não ser, ressalva ele, que o recém-anunciado pacote de concessões de obras públicas comece a aliviar.
“É a primeira vez que eu vejo isso nas MPEs. Mesmo na (crise) de 2008 não houve nenhum sinal forte desses, já que a economia começou a reagir com os estímulos ao crédito e ao consumo, como a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Mas o governo esgotou todos e agora eles não estão mais ao alcance da economia”, afirma. 
Em qualquer lugar do mundo, as micro e pequenas empresas sempre empregam muito, mas também sofrem rapidamente nas crises econômicas, devido ao ciclo de produção mais curto. "Agora a pequena empresa começa a ser afetadas pelos reflexos desse ‘ano perdido’”, diz Evaldo Alves, professor de Economia da EAESP-FGV. 
Alves lembra o fenômeno de 2008 quando, mesmo na crise, os empregos não diminuíam porque os empresários preferiram reter funcionários, esperando uma possível retomada. “Dessa vez, a expectativa tem caído, assim como a confiança na economia. Então, ou as empresas diminuem custos ou vão acabar quebrando.”
Os números mostram isso. Pesquisa do Serviço de Proteção do Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL) aponta que apenas 9% das MPEs, com média de três funcionários cada, pretendem contratar nos próximos meses. Por outro lado, 15% planejam demissões. Já para 32% dos entrevistados, a principal dificuldade em manter o quadro atual se deve às medidas da política econômica.
Já os dados do “26º Indicador de Atividade da Micro e Pequena Indústria de São Paulo” de abril, encomendada pelo Simpi (sindicato do setor) ao Datafolha, são mais assustadores.
Nele, 66% dos dirigentes entrevistados, de um universo de 188 mil empresas, acreditam que o futuro dos seus negócios está em risco. Outros 39% afirmaram já estarem fazendo cortes de custos, e 22% disseram que vão cortar especificamente mão de obra.
Flávio Pinheiro, gerente de finanças do SPC Brasil, lembra que, se antes as MPEs contavam com o aumento do mercado de consumo, hoje, o governo não tem mais orçamento para expandir programas de crédito. A retração gerada em setores como o automobilístico, que já demitiu mais de 60 mil, gera efeito em cadeia.
“Essa crise é de confiança. O empresário fica mais comedido, então põe o pé no freio. Se não tem quem consome, ele não contrata. Ou desemprega. É uma espiral para baixo”, afirma.
Joseph Couri, presidente do Simpi, afirma que, desde que o indicador de atividade começou a ser medido, é a primeira vez que aparecem demissões somadas ao risco de fechamento de empresas.
“Aumento de impostos, de combustíveis, restrição de crédito… Nunca tivemos um mercado interno tão ruim e com risco de insolvência como neste momento. Cabe ao governo fazer uma reforma fiscal e criar mecanismos para preservá-lo.”
COMÉRCIO E SERVIÇOS NA BERLINDA
Na semana do feriado de Corpus Christi, a área de homologação do Sindicato dos Comerciários de São Paulo estava lotada de ex-empregados aguardando sua vez de assinar a rescisão.
Um levantamento do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e de Estudos Sócioeconômicos) mostra que, até maio, foram realizadas 49.310 homologações neste sindicato. Em igual período de 2014, foram 12.532, e em 2013, 10.509.
Do total de demissões em maio em São Paulo, grande parte se concentrou nas grandes redes, como Casas Bahia, Renner, C&A, Riachuelo e Magazine Luiza.
Segundo Ricardo Patah, presidente do sindicato, no caso da pequena empresa de comércio ou serviços, fica mais difícil demitir: além do número pequeno de funcionários, com as datas importantes do segundo semestre, como Dia dos Pais, das Crianças e Natal, essas empresas costumam segurar. “Elas preferem adiar demissões ou até fazer contratações sazonais, se preciso”, diz.
Demissões em empresas menores engrossam as estatísticas. O repositor Jocélio da Silva Santos, 38 anos, por exemplo, foi dispensado depois de quatro anos em um pequeno comércio de bijuterias e chapéus na 25 de Março, região central de São Paulo.
“O movimento foi ficando fraco, e os donos decidiram ‘passar (a loja) para frente’”, conta. Agora, ele pretende voltar para perto da família na Bahia já que, segundo ele, lá “não falta emprego” em fábricas de chocolate.
Veja o caso da jovem Ednara Souza Santos, 20 anos, que trabalhava há três anos em um escritório de contabilidade e demitida juntamente com outra colega da empresa familiar. Com renda na faixa de R$ 1,3 mil, ela paga a faculdade de Odontologia com ajuda da mãe – o pai compra seu material de estudo.
Trabalhando em nas áreas fiscal e de pessoal, Ednara percebeu a situação ficando difícil nos últimos meses devido à saída de pelo menos 30 clientes, que decidiram cortar custos de contador.
Foi quando as sócias do escritório decidiram que seria preciso cortar dois dos quatro funcionários. “No meu caso, a demissão não foi tão ruim. Me ofereci para entrar no corte, pois vou fazer estágio na área em que estudo.”
Frente ao cenário de ajuste econômico Patah lembra que nas outras crises o comércio e os serviços tiveram papel destacado –algo que não deve se repetir neste ano. Ele cita a área de supermercados, geralmente a última a sentir efeitos de crise. Agora o consumidor não se interessa pelo combinado compras e promoções – ele só quer as promoções. “Se o comércio crescer como em 2014, na faixa dos 3%, já está bom.”
Diário do Comércio
 

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