22 de junho de 2015

Valor agregado é arma para enfrentar os dragões asiáticos

Nem preço, nem volume: a estratégia de alguns fabricantes brasileiros tem sido inovar e aprimorar a tecnologia dos produtos, visando à alta nos padrões para fisgar consumidores e expandir mercados
Adriana Lampert
"Mudar o óbvio" é o foco principal do trabalho desenvolvido em um dos departamentos da fabricante de móveis Bentec, com sede em Bento Gonçalves. É no setor destinado a cuidar exclusivamente da análise de matérias-primas e pesquisa de tendências que surgem as ideias para produtos com estética inovadora e alta funcionalidade. Mas nem sempre foi assim. O diretor da empresa, Henrique Tecchio, conta que a mudança ocorreu no ano 2000. "Na época, contratamos um designer que traçou toda nossa linha de móveis. Depois vieram outros profissionais desta área, e hoje estamos especializados em pensar ambientes com design arrojado." O executivo integra um time de fabricantes nacionais que percebeu que investir em projeto de produto resulta em qualificação no mercado. "Desta forma, se ganha mais, vendendo menos", resume o empresário.
Ao decidir trabalhar com inovação, conceito de marca e aplicação de design, os fabricantes brasileiros de cerâmica também têm conseguido se diferenciar, escapando da briga de preços. Entre abril e maio deste ano, 10 indústrias com foco em revestimentos e louças sanitárias apresentaram peças premiadas, durante a Expo Revestir, na Semana de Design de Milão. "Este é um segmento que tinha tudo para ser considerado commodity, mas está conquistando um outro patamar no mercado", observa o presidente da BTS, Marco Basso, que costuma acompanhar eventos do setor.
Foi a alta competitividade das commodities chinesas que exigiu que industriários brasileiros passassem a se tornar criativos e inovadores, buscando agregar valor aos produtos, explica Tecchio, que preside o Sindicato do Setor Moveleiro (Sindmóveis) de Bento Gonçalves. Ele avalia que, como resultado de um movimento consistente para difundir o design nacional em feiras no exterior, os consumidores já conseguem entender que a soma de qualidade com funcionalidade justificam a escolha de pagar um pouco mais, para adquirir um produto de valor agregado. "Mas será preciso que tenhamos persistência para mudar definitivamente a cultura de consumo, porque isso deve demorar alguns anos", admite.
Se apropriar de tecnologias e definir tendências é o objetivo da utilização do design em qualquer setor, observa o presidente da Summit-Promo, Lauro Andrade Filho, ao defender a ferramenta como estratégica para uma melhor qualificação dos produtos. A companhia – que atua em diversas áreas e etapas de eventos e projetos de marketing – é uma das parceiras do Sindmóveis na nova fase da mostra de arquitetura e decoração Casa Brasil.
Com foco em design e negócios de produtos contemporâneos de alto padrão, o evento passa a acontecer em São Paulo, a partir de 2016, visando ampliar mercados para as empresas envolvidas. Segundo Andrade Filho, este segmento passou por transformações significativas nos últimos anos, causadas pelas mudanças de comportamento dos consumidores, pela valorização do design e pelo aumento da concorrência global. "Neste cenário, os quase 200 mil profissionais de arquitetura e design de interiores em atividade no Brasil tornaram-se os principais tradutores das inovações e tendências do setor", contextualiza o presidente da Summit-Promo.
A inovação em produtos e serviços, a busca de novos segmentos consumidores e a ampliação dos canais de distribuição são formas de crescer e conquistar mercados, concorda o sócio-diretor do Instituto de Estudos e Marketing Industrial (IEMI), Marcelo Prado. A empresa realiza análises de mercado dos setores de móveis, calçados, vestuário e cama, mesa e banho, e aposta na estratégia. Prado é direto na orientação: "Não dá para oferecer mais do mesmo, tem que produzir originalidade, brasilidade, identidade própria, estilo de vida."
O especialista destaca que esta é uma percepção relativamente recente da atividade industrial brasileira. "Até o final dos anos 1990, as fábricas nacionais eram muito atrasadas tecnologicamente, com baixa produtividade", compara Prado. Ao repensar um negócio e investir no reposicionamento de marca, a indústria e o varejo conquistaram pontos via valorização do produto e da preocupação com os consumidores, observa a especialista de varejo, Heloisa Omine. Este é um desafio que tem sido abraçado por diversos setores, como o de vestuário, tecnologia, móveis e automotivo.
Loja-conceito ajuda a consolidar identidade de marca
Além de agregar valor ao produto, é preciso trabalhar com a consciência do nome da marca. O alerta é da professora no curso de Pós-graduação de Comunicação com o Mercado e do Núcleo de Varejo da ESPM-SP e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da entidade, Heloisa Omine. "Isso chega na ponta: fazer entrega correta, por exemplo, é uma forma dos consumidores associarem a marca de um produto à garantia de qualidade e, assim, terem certeza de que fizeram a melhor escolha." De acordo com a especialista, uma forma encontrada pela indústria para comunicar a marca, e assim se diferenciar dos importados, tem sido investir em lojas-conceito. "Ali, se tem contato com o universo da marca, com todos os seus produtos, e passa pela experiência de entender como a mesma trata os consumidores."
Quem entende de valor agregado e de assinatura de produto vai sempre buscar itens sustentáveis e com ergonomia, justifica o diretor da Bentec Móveis, Henrique Tecchio. "Não é somente a estética que importa, mas tudo que envolve: desde o material utilizado, passando pela mão de obra e o design. São combinações que fazem com que a matéria-prima fique boa, com o diferencial de produção assinada por profissionais especializados." Saber como é feito um produto, se há preocupação social e responsabilidade ambiental, são aspectos que influenciam na seleção dos consumidores, concorda Heloisa. "A compra deixa de ser pragmática, quando não é ‘qualquer’ produto, o cliente não se importa de pagar mais."
Isso também vale para produtos procedentes de trabalho escravo, cujos exemplos se espalham pelo mundo, alfineta a especialista. Para Heloisa, pensar em responsabilidade social é fundamental tanto na indústria quanto no varejo. "Quando o lojista se recusa a homologar produtos fabricados de maneira incorreta, e quando a indústria prima pela ética, todos saem ganhando no País. Isso contribui para a qualidade da sociedade e dá condições positivas para as marcas brasileiras em relação aos mercados onde opera. É uma forma de consolidar, de posicionar a marca."
Em busca de competitividade
Menor custo de produção e acessos privilegiados são benefícios que alguns países ao redor do globo possuem e que os tornam mais competitivos em relação ao Brasil. Além disso, a importação contempla produtos de marcas qualificadas "made in China", porém assinadas por grifes europeias e norte-americanas, que possuem inovação e tecnologia a bordo, encantando consumidores em todo mundo. "Dizer que só importamos commodities não é justo. Compramos da China e demais países asiáticos produtos caros e sofisticados, além daqueles baratos e com pouca qualidade", afirma o sócio-diretor do Instituto de Estudos e Marketing Industrial (Iemi), Marcelo Prado. O especialista considera que, apesar disso, enquanto a concorrência se estabelece apenas pelo preço, agregar valor ao produto é diferencial frente às commodities. "Hoje, 70% dos produtos importados são de alta qualidade, e aí é que se inicia o desafio da indústria nacional."
Já o presidente do Sindimóveis de Bento Gonçalves, Henrique Tecchio, avalia que ainda há muita cópia da China sendo vendida no mercado brasileiro, sem qualidade nem acabamento. "Não tem nem como comparar", opina. Segundo o dirigente, assim como a Bentec, grande parte do setor moveleiro do Estado aposta em design, motivado também por desvantagens da logística. "A maioria da matéria-prima (80% das chapas de MDF e MDT consumidas) vem do Centro do País (de Minas Gerais e São Paulo), para que possamos beneficiar por aqui e depois enviar novamente para o Centro, para o Nordeste." A saída para driblar os custos de transporte de ida e volta e melhorar a competitividade foi apostar na diferenciação dos produtos, explica o dirigente. O próprio salão do design, criado pela entidade, surgiu para dar fôlego ao produto gaúcho frente a outros polos moveleiros. "O resultado foi que outras empresas do restante do País compraram a ideia, e o setor vem difundindo o design como agregador de valor nos móveis, mesmo que se use matMéria-prima semelhante." Atualmente, a maioria das fabricantes trabalha com designers contratados – muitos deles, reconhecidos internacionalmente – assinando linhas de produtos.
Apesar de muitos empresários acreditarem que investir em valor agregado é uma forma de driblar a concorrência externa, há quem o considere apenas um passo de um extenso caminho. "Nem sempre investir em tecnologia adianta", pondera o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Tapetes e Carpetes (Abritac), Roberto James Herrmann, ao destacar que, no caso do setor que representa, a medida mais urgente é diminuir a carga tributária. "Os impostos tornam nossos produtos caros, e aí, claro, os importados ganham no preço mesmo."
Escala de produção insuficiente ainda é um desafio que alguns segmentos precisam enfrentar
A entrada de importados no Brasil, que ganhou mais força há pouco mais de 20 anos, trouxe à tona um novo modelo de desenvolvimento para a indústria nacional. No entanto, o cenário não representou muitas vantagens para o setor "No início dos anos 1990, quando se abriu o mercado e o País passou a importar produtos mais baratos, faltou planejamento, e esse foi um processo danoso à atividade indústrial", recorda o sócio-diretor do Instituto de Estudos e Marketing Industrial (Iemi) Marcelo Prado. O especialista pontua que, sem negociação quanto à questão do mercado interno, a entrada de importados isentos de tarifas fixas expôs as empresas de tal forma a uma forte concorrência que resultou em muitas portas fechadas.
As que sobreviveram precisaram buscar tecnologia para se aperfeiçoar, e necessitaram passar por uma adaptação a um mercado ora favorável à exportação, ora não. "O problema é que nossa cultura empresarial, mesmo assim, permaneceu focada em copiar o que os outros países fazem, traduzindo para a realidade brasileira e vendendo no mercado interno. Vivemos por mais de 20 anos uma política de desenvolvimento que formou uma ou duas gerações de imitadores", critica.
Mesmo com a recente mudança de mentalidade dos industriários brasileiros, há setores que ainda sofrem na competição com países asiáticos, que conseguem fabricar desde produtos baratos em grande volume, até os mais caros e sofisticados. Além disso, a tecnologia de ponta permite que os concorrentes preencham padrões de qualidade europeia.
"Geralmente, a dificuldade do País é maior onde há cadeias produtivas intensivas de mão de obra, com vários elos antes de chegar ao varejo, a exemplo das indústrias têxtil, calçadista e moveleira", aponta o diretor do IEMI. "O Brasil não acompanha a velocidade de moda, não temos escala de produção, nem volume suficiente, nem produtos com características de tecidos tecnológicos", concorda o diretor executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTex), Sidnei Fernandes Abreu.
Isso explica, segundo Abreu, porque a maioria das linhas de inverno no vestuário são majoritariamente importadas. "É por conta de tecnologia, da produção de fios e de matéria-prima diferenciada, não produzida no Brasil. São roupas com tem características diferentes." O dirigente da associação que representa grandes redes de varejo de vestuário, afirma que o setor tem nas importações uma forma de suprirparte das demandas do consumidor não atendidas pela indústria nacional.
"Quando falamos de produtos sazonais, como o de inverno, a produção nacional ficaria cara, comparada com o que é comprado da Ásia, que exporta para o mundo inteiro." A tecnologia, os maquinários, os tecidos, e a produção em grande escala permitem que os asiáticos exportem para o mundo inteiro. Por isso, na opinião de Abreu, não vale a pena para os empresários brasileiros investirem em tecnologia e maquinário – uma vez que praticamente toda a produção é vendida no mercado interno.
Fonte: JC
 

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