29 de junho de 2015

“País precisa reduzir período eleitoral e custos de campanha”

A ideia de enfrentar a crise de autoridade no país com a troca de forma de governo — do presidencialismo para o parlamentarismo — tem um obstáculo: o eleitor brasileiro, no ano passado, decidiu, implicitamente, que a presidente governaria o país com os poderes vigentes. É como pensa o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, José Antônio Dias Toffoli, que, no entanto, se diz contra esse tipo de casuísmo como solução.
Na entrevista que se segue, o também ministro do Supremo Tribunal Federal propõe o encurtamento do período eleitoral, a imposição de teto de doações e custos de campanha, manifesta-se contra o fim do instituto da reeleição e reafirma que permitir a doação de empresas para campanhas eleitorais faz com que os eleitos representem mais as pessoas jurídicas que as pessoas físicas.
Dias Toffoli é talvez o juiz que mais domina a matéria eleitoral a dirigir o TSE em toda a história. O ministro trouxe para o cargo a experiência de quinze anos como advogado eleitoral, funções que exerceu antes de se tornar subchefe da Casa Civil para assuntos jurídicos e advogado-geral da União.
O ministro fala aqui de um projeto ousado e inteligente: a unificação de todos os documentos do brasileiro. Além de simplificar, o futuro documento emitido pela justiça eleitoral vai impedir fraudes como a de um cidadão goiano que conseguiu fazer 34 títulos de eleitor ou da possibilidade de uma pessoa ter 27 carteiras de identidade. O projeto, informa, já tem o apoio da Câmara dos Deputados e do Senado.
Leia a entrevista:
ConJur — No âmbito da reforma política e na esteira da crise de autoridade no país, tem-se resgatado a ideia de instalar o parlamentarismo no Brasil. Como o senhor vê essa hipótese?
Dias Toffoli — Antes de responder essa pergunta, é necessário examinar uma premissa maior nessa discussão. No Brasil, sempre que surge dificuldade, crise ou situação de descontentamento fala-se em mudar o sistema. Por isso é que, em 1997, eu era contrário à Emenda Constitucional que instituiu a reeleição e hoje sou contrário à Emenda que quer acabar com a reeleição. Temos que dar estabilidade às instituições. Sou contrário, amplamente contrário, a instituir mandatos para ministros do Supremo. Alterar a forma de composição do STF para ser uma forma em que haja indicações do Poder Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário? Nós desqualificamos em vez de solidificar as instituições. Mudar todo momento a forma de jogar o jogo político e o jogo eleitoral impede a maturidade das instituições. O Brasil tem que parar de ser adolescente em matéria institucional.
ConJur — Mas caso a ideia cresça, como se viabilizaria em termos jurídicos?
Dias Toffoli — Não é assunto sobre o qual já exista reflexão. Em 1993 foi feito um plebiscito e o sistema foi descartado. Evidentemente, mesmo sendo resultado de uma consulta popular, isso não torna a matéria em cláusula pétrea. De toda forma, a cogitação do parlamentarismo como solução de crise não entraria em vigor agora. Só poderia valer para as futuras eleições. Explico: o povo não votou em 2014 em um presidencialismo com menos poderes e em um parlamento para formar o governo. Em relação à ideia de que é necessário rever, penso que uma nova consulta popular é perfeitamente cabível. Mas não valeria imediatamente por falta do batismo das urnas.
ConJur — O que o senhor acha das propostas já aprovadas na primeira etapa da votação da reforma política?
Dias Toffoli — O principal mérito dessa rodada foi verificar que propostas têm número suficiente para alteração constitucional. Ficou claro que a mudança do sistema eleitoral não alcança, no Brasil, o quórum necessário. São necessários 60% dos votos, três quintos dos parlamentares, para alterar a Constituição. E dentre os eleitos por esse sistema, não há 60% deles que queiram alterar o sistema. A reforma Constitucional, portanto, ficou aquém do esperado, pelo menos até este momento. Mas eu sou muito otimista quanto à possibilidade de uma reforma infraconstitucional que altere a lei ordinária eleitoral, pois esta depende de uma maioria simples para a alteração, número mais fácil de alcançar.
ConJur — Como o senhor avalia a questão do tempo de TV de cada partido?
Dias Toffoli — O que eu penso é que, além da reforma constitucional, que está ainda em discussão na Câmara e também irá ao Senado, temos um campo importante nas matérias infraconstitucionais, que precisam apenas de maioria simples. Alguns pontos que tenho abordado junto ao parlamento, falando na comissão de reforma política e, também, no diálogo com os parlamentares, é a necessidade de diminuir o tempo de campanha. No Brasil, são três meses de campanha no primeiro turno e mais um mês de campanha no segundo turno. São quatro meses. Mais o período pré-eleitoral de convenções, cinco meses. Mais o período de desincompatibilização, seis meses. Depois, entre a eleição e a posse, mais dois meses. Quer dizer, o país para quase um ano a cada dois anos para o processo eleitoral.
ConJur — O que encarece o processo.
Dias Toffoli — E encarece a democracia brasileira. Temos que concentrar o tempo. Por que uma eleição de três e não de dois meses, ou de 45 dias? Por que seis semanas de horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão, que acaba sem audiência? Por que não diminuir para duas semanas, três semanas? Por que não transformar isso apenas nos comerciais de 30 segundos, um minuto, em vez de um programa em bloco, um seguido ao outro, que as pessoas acabam indo para a TV por assinatura, para a internet ou para a praça passear? Ninguém assiste três semanas de horário eleitoral na TV. Por que entre o primeiro e segundo turnos ter praticamente três, quatro semanas, e não um período de uma ou duas semanas entre o primeiro e o segundo turno? Na França, a campanha para Presidência da República dura um mês no primeiro turno e uma semana, no segundo. Lá, um presidente da República não pode gastar mais do que 18 milhões de euros nos dois turnos. Um deputado, na França, tem limites de gastos entre 45 mil e 65 mil Euros. Evidente que lá o voto é distrital, a campanha é mais localizada e barata. Mas é uma campanha curta, de três a quatro semanas.
ConJur — A quanto se poderia limitar no Brasil?
Dias Toffoli — Uma campanha para a Presidência da República não deve custar mais do que R$ 100 milhões. Veja as três principais campanhas de 2014: Dilma gastou R$ 350 milhões; Aécio gastou R$ 230 milhões; e Marina, gastou uns R$ 110 milhões. Ou seja, R$ 100 milhões é um número factível. É preciso ter um teto. Trazer para o âmbito da lei algumas presunções que hoje é a jurisprudência que tem de criar. Qual é o limite tolerável de ultrapassar as receitas e as despesas proibidas ou permitidas? Muitas vezes, a Justiça Eleitoral diz que, pelo princípio da proporcionalidade, determinados gastos ou receitas que não foram exatamente de acordo da lei, não contaminam o total da campanha porque foram de pouca quantidade. No México, em recente reforma, eles instituíram 5% como um parâmetro objetivo na própria lei. Se ultrapassar 5%, a pessoa perde o mandato.
ConJur — O que acha do limite de doação?
Dias Toffoli — Eu penso que estabelecer um limite de valores que as empresas podem doar traz mais segurança. Nas eleições de 2014 tivemos um caso de uma empresa que, para todas as campanhas, desde deputado estadual até presidente da República, doou mais de R$ 300 milhões. Isso não tem paralelo em nenhum lugar do mundo. Por que não estabelecer limite de que cada empresa não possa doar mais que R$ 1 milhão?
ConJur — E quanto ao limite de doação por doador?
Dias Toffoli — A lei atual estabelece a porcentagem de 2% sobre o faturamento. Talvez o ideal fosse sobre o lucro líquido, que é mais adequado, tem um valor muito mais baixo que o faturamento bruto, porque há empresas que doam metade do lucro líquido. E manter para o cidadão 10%. Mas é preciso estabelecer um limite: nenhum cidadão pode doar mais que R$ 10 mil, ou que R$ 50 mil. Senão traz desigualdade entre quem tem poder econômico e quem não tem. É fato sabido e ressabido que muitas pessoas deixam de se candidatar ao parlamento por causa dos custos. Os chamados “formadores de opinião” são candidaturas, hoje, que não encontram espaço. Para citar um nome à esquerda e outro à direita, um Florestan Fernandes, se vivo fosse, e, à direita, o Delfim Netto. Tanto é que o Delfim Netto foi candidato há duas legislaturas e perdeu a eleição. Depois, deixou de ser candidato. Por quê? Porque hoje, esses formadores de opinião concorrem com candidatos com muito capital.
ConJur — Vai favorecer artistas, jogadores de futebol e apresentadores de TV, não é verdade?
Dias Toffoli — Na democracia, cabem todos. Não se pode ter preconceitos com as pessoas que fazem parte da sociedade que queiram ser candidatos. Temos, por exemplo, no Rio de Janeiro, o senador Romário que é um senador extremamente dedicado ao parlamento brasileiro. O que é necessário é impedir que figuras que não tenham representatividade social sejam utilizadas para ser puxadores de voto.
ConJur — O Luiz Flávio Gomes, que já foi juiz, encabeça um movimento para permitir que apenas amadores entrem para a política. Ou seja: proíbe-se o político profissional ao vedar a reeleição em todos os níveis. Como é que o senhor vê essa ideia?
Dias Toffoli — Ficar mudando sistemas para tentar corrigir cultura é brigar com a realidade. Não adianta. O Supremo Tribunal Federal decidiu, em 2007, que o candidato que deixasse o seu partido perdia o mandato. Isso gerou a criação de um monte de partidos políticos, porque, já que não se podia mudar de partido, criaram-se partidos. O país saiu de 24 partidos, para 32 partidos em poucos anos. Outro exemplo é a verticalização das candidaturas em 2002, feita em Resolução do TSE. Depois o Congresso alterou a Constituição para permitir a ampla liberdade de coligação.
ConJur — O TSE está encabeçando a proposta consubstanciada em projeto de lei para unificar a numeração de documentos de todos os brasileiros. Como é que vai funcionar?
Dias Toffoli — Essa é uma ideia que o ministro Sepúlveda Pertence, em 1994, quando presidiu o TSE, já havia aventado: usar o cadastro dos eleitores na identificação dos brasileiros. O cadastro eleitoral do TSE é o maior cadastro unificado da América Latina. Ao longo dos últimos 20 anos, o TSE foi implantando, para organizar eleições seguras, o voto eletrônico e, mais recentemente, a partir de 2005, a identificação biométrica. Ora, identificar 145 milhões de brasileiros biometricamente através da identificação dos dez dedos das mãos e mais uma foto digitalizada para inequivocamente saber quem é quem traz uma oportunidade de total segurança na identificação individual. Nas eleições de 2014, já tivemos 23 milhões de pessoas assim identificadas. Nos próximos quatro anos, devemos terminar de identificar todos os brasileiros eleitores. Ter essa identificação para ser usada única e exclusivamente nas eleições não parece ser, do ponto de vista da eficiência do Estado, a melhor solução. Paralelamente, o poder executivo ou as áreas de segurança dos estados podem desenvolver mecanismos idênticos — chamando o cidadão para se recadastrar na sua identificação civil para poder ter uma identificação inequívoca, o que implica em duplicidade de despesas públicas e de incômodo aos cidadãos.
ConJur — E foi essa a proposta, ministro?
Dias Toffoli — O que propusemos? Já temos todo o custo na Justiça Eleitoral de realizar a biometria. Vamos então colocar por lei que essa identificação da Justiça Eleitoral será o registro do cidadão brasileiro para todos os efeitos civis e para suas relações com o Estado. Com isso, evitaremos duplicidade de identificações. Detectamos, por exemplo, no batimento que fizemos para as eleições de 2014, uma pessoa em Goiás que tinha tirado 34 títulos de eleitor com nomes de pais diferentes, usando certidões de nascimento diferentes, usando cédulas de identidade diferentes. Ou seja, hoje, nós não temos garantia com os documentos existentes. Isso impedirá, por exemplo, no sistema financeiro, fraudes com empréstimos tomados por pessoas que não existem de um R$ 1,5 bilhão, R$ 2 bilhões por ano. Ou ainda fraudes no Fundo de Garantia, no Bolsa Família, na Previdência Social, no Seguro Desemprego, na Receita Federal, no Ministério do Trabalho, e na área de Segurança Pública, por óbvio.
ConJur — O senhor já teve algum retorno da disposição do Congresso em aprovar esse projeto?
Dias Toffoli — Já conversei com os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, e eles manifestaram o apoio do Congresso, no que depender deles, para aprovação o mais rápido possível.
ConJur — Falando em Congresso, a Câmara aprovou proposta que mantém o financiamento privado de campanha. O senhor mantém a sua opinião a respeito do financiamento público
Dias Toffoli — Em primeiro lugar, eu mantenho a minha posição de entender que as empresas, que objetivam lucro não têm em seus objetivos atuar politicamente e doar financeiramente para partidos e candidatos. Elas podem ter outro tipo de atuação na área social e institucional, mas a história e a realidade têm mostrado que, na atuação política, elas procuram, se não capturar, ao menos agradar aquele que vai ocupar postos no Estado brasileiro. E não há que se impressionar com isso. Faz parte do capitalismo. Vivemos em uma sociedade capitalista e o Estado existe para colocar limites ao capital, na arbitragem das relações entre capital e trabalho para uma visão, digamos assim, mais simplista. Mas, nesses limites entre capital e trabalho, obviamente o capital quer capturar aqueles que decidem sobre as deliberações que vão impor esses limites. Faz parte do jogo. O mesmo vale para os sindicatos, mas estes estão proibidos de doar! A questão é se isto é correto ou não do ponto de vista do funcionamento da igualdade; do ponto de vista de o eleitor ter condições de atuar, de ter compreensão e de ter acesso aos vários candidatos que lhe são apresentados. Aquele candidato que tem mais recursos terá uma vantagem na disputa, pois o dinheiro acaba distorcendo a igualdade da disputa.
ConJur — Mas isso é uma questão para o Supremo?
Dias Toffoli — Não acho que seja o ideal. Se o Congresso deliberar de maneira inteligente e sensata a respeito de limites, talvez seja até uma solução melhor do que uma solução sim ou não à participação das empresas no processo político-eleitoral. Porque se houver uma regulação que imponha, por exemplo, a criminalização severa do caixa dois para punir todos os envolvidos — não só do candidato, mas do doador — teremos a possibilidade de avançar.
ConJur — Qual é o limite hoje?
Dias Toffoli — Hoje não há limites, é o próprio partido e candidato que se autolimitam. A campanha da presidente Dilma Rousseff gastou cerca de R$ 340 milhões. Ela é que colocou o limite. Na França, o limite de gastos para uma campanha presidencial, no primeiro turno, é de 14 milhões de euros, mais quatro milhões de euros para o segundo turno. Isso é uma campanha que, portanto, fica num valor bem abaixo do que é no Brasil. Evidentemente o número de eleitores lá é bem menor que o daqui e os sistemas eleitorais são diferentes. Mas esses limites se mostraram bastante eficientes na França. Recentemente, o ex-presidente Nicolas Sarkozy teve as contas da campanha rejeitadas pela Corte de Contas Eleitorais da França e foi condenado. O nosso sistema tem de comportar limites. Uma empresa não poderia doar mais de R$ 1 milhão, mas temos casos como o da JBS, que doou mais de R$ 300 milhões para todas as campanhas, desde deputado estadual a presidente da República.
ConJur — É o custo da campanha da presidente Dilma.
Dias Toffoli — Isso não tem paralelo em lugar nenhum do mundo. É o equivalente a praticamente quase 10% de todas as receitas de todas as candidaturas no ano de 2014. É necessário colocar um freio nesta participação do capital.
ConJur — Como isso funciona fora do Brasil?
Dias Toffoli — No mundo inteiro se discute isso. Houve casos, por exemplo, do tesoureiro da campanha do Helmut Kohl, ex-primeiro ministro da Alemanha, que acabou aparecendo morto. Ou o tesoureiro da primeira campanha vitoriosa do Mitterrand, na França, que também apareceu morto. Temos escândalos de financiamentos eleitorais espalhados pelo mundo, como o recente escândalo que está em julgamento na França que envolve o ex-presidente Sarkozy com a maior acionista da L’Oreal. Essa questão não é privilégio do Brasil, por isso é importante que o Congresso enfrente isso colocando ou a extinção da contribuição das empresas ou colocando limites que deixem as candidaturas iguais, com formas de controle e de punição factíveis..
ConJur — Há quem diga também que o financiamento privado de campanha ajuda o candidato da situação.
Dias Toffoli — Os números mostram isso. A proporção de arrecadação da presidente Dilma em relação ao Aécio foi de três para dois. Se colocar a candidatura Eduardo/Marina: três, para dois, para um. Então, de cada dez que a Dilma recebeu, Aécio recebeu seis e meio, e Eduardo/Marina recebeu três. Há uma capacidade maior de arrecadação de quem está no poder. 95% de toda a arrecadação para as campanhas presidenciais de 2014 veio das grandes empresas. Basicamente do setor alimentício, do sistema financeiro e da construção civil.
ConJur —  O senhor usou um parâmetro francês para o teto do gasto da campanha presidencial. O senhor tem algum parâmetro para candidato a parlamentar?
Dias Toffoli — Depende muito do sistema eleitoral. Em um sistema distrital, em que a campanha em poucas cidades, é mais barato. Uma campanha para a assembleia geral da França, que seria o equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil, o limite é em torno de 45 a 65 mil euros.
ConJur — Barato, não é?
Dias Toffoli — Mas é porque também ele não vai fazer a campanha, por exemplo, no estado de São Paulo inteiro. Ele faria a campanha nos municípios próximos do Distrito. Como é que é feito na França? A França é um estado unitário. O número de cadeiras é dividido pelo número de distritos. Cada distrito elege um parlamentar. Por isso a campanha é menor.
ConJur — E só mexer no sistema eleitora resolveria isso?
Dias Toffoli — Não. Colocando limites, dando igualdade de condições para todos, com um novo regramento de rádio e televisão. Se não mudar o sistema de campanha e continuar a circunscrição do Estado, ao menos a limitação de recursos vai fazer com que a disputa seja cada vez mais localizada. Ou seja, teria concentração de votos, e aqueles que têm o voto de opinião, tradicionalmente terão votos em todos os lugares, como já ocorre.
ConJur — O senhor já opinou ser contra a unificação das eleições. Quais as desvantagens?
Dias Toffoli — A maior desvantagem, e eu disse isso no Congresso, é que o povo quer mais eleições. Ao unificar, você diminui o número de eleições. Principalmente se unificar o mandato a cada cinco anos, o que eu também sou contra. Hoje temos, por exemplo, a situação da presidente Dilma Rousseff: ela foi eleita em outubro e em dezembro, janeiro já estava passando por uma deslegitimação em relação aos anseios da população.
ConJur — Por quê?
Dias Toffoli — A sociedade real, a imprensa e os meios de comunicação competem com o político todos os dias. Eles, meios de comunicação, se dizem os portadores da opinião pública daquele momento, e a fotografia do eleito é de cada quatro anos. Se isso aumentar para cinco anos, fica mais distante do eleitor. E se cada eleição ocorrer simultaneamente de cinco em cinco anos, é um período muito longo em que vai haver um processo de corrosão da credibilidade do setor político quanto à sua legitimidade. Vai deslegitimar ainda mais a classe política.
ConJur — O ideal são intervalos menores, então?
Dias Toffoli — Eu propus no Congresso o contrário. Por exemplo, que ocorressem eleições para o parlamento a cada dois anos. Se não diminuírem, e duvido que o façam, de quatro para dois anos o mandato de um deputado, que fizessem a divisão da câmara meio a meio, para metade ser eleita a cada dois anos. Com isso, você pode ter a aferição se o partido do governo está indo bem ou não, por exemplo, e, nesses votos se ter uma noção de estão funcionando o governo  e o Poder Executivo, para ter um fenômeno mais próximo da realidade. Não tenho dúvidas de que, com as redes sociais, com os novos meios de comunicação, com a internet, com um meio de vida digital, o que vai ocorrer é, cada vez mais, a participação direta do eleitorado em mais eleições, em mais decisões e em mais deliberações, e não o contrário. Ou seja, essa proposta de unificar eleições em cinco anos de mandato vai na contramão da história. Se aprovada, não vai durar muito tempo.
ConJur — O senhor esteve agora na França e no México. Antes, foi ao Reino Unido. O que o senhor observou do processo eleitoral deles?
Dias Toffoli — O Reino Unido impressiona. O país, desde a modernidade tem eleições para o parlamento. São mais de 250 anos de eleições. O que impressiona é a grande credibilidade que a palavra da pessoa tem. É outra cultura. Raramente eu vi alguém pedir um documento de identificação do eleitor.
ConJur — Completamente diferente, mesmo.
Dias Toffoli — Também não vi muita preocupação com o sigilo do voto. É óbvio que lá há o sigilo, mas muitas pessoas pegavam o cartão, se dirigiam a uma mesa e assinalavam um xis na cédula sem se preocupar se tinha alguém olhando ou não. Talvez porque não vai ter amanhã ou depois alguém cobrando ou ameaçando por que votou neste e não naquele. É uma liberdade cultural muito grande de expressar a sua opinião. Também verifiquei que na imprensa escrita de lá é muito clara a opção política e editorial do jornal. Aquele que defende o partido trabalhista ensina como fazer o voto útil para que o partido trabalhista alcance a maioria. Aquele jornal que defende o partido conservador, que defendia, por exemplo, a vitória do Cameron, ele ensinava como, em cada distrito que corria risco de perder um voto para um terceiro partido, um quarto partido, como fazer um voto útil para que o partido conservador conseguisse manter a maioria. Ou seja, a imprensa escrita lá não fica em cima do muro, toma partido. Por outro lado, a imprensa de rádio e de televisão tem restrições, como no Brasil. Não pode ter favorecimento ou prejudicar um candidato.
ConJur — Eles têm horário eleitoral?
Dias Toffoli — Lá tem horário eleitoral gratuito também, reservado aos candidatos. Mas uma coisa curiosa: eu perguntei se tinha pirotecnia, aqueles recursos bonitos, e que às vezes na propaganda inteira o candidato nem aparece, eles botam um jogador de futebol, um artista, qualquer coisa. O candidato fica escondido atrás de recursos tecnológicos. Mas eles não entenderam a pergunta. Qual foi a conclusão a que cheguei. Eles falavam “mas o horário gratuito no Brasil não é reservado ao candidato?” Na cultura deles não é preciso uma regra para proibir o uso desses recursos. O eleitor sabe que aquele horário é para o candidato. Não passa pela cabeça deles que o candidato não vai aparecer no programa. É muito objetivo: é pão-pão, queijo-queijo. Mas temos muito pelo que nos orgulhar também. Lá eles ainda votam no papel.
ConJur — E o eleitor comparece às urnas?
Dias Toffoli — O comparecimento foi em torno de 65%.
ConJur — Alto, não?
Dias Toffoli — Bastante alto.
ConJur — Se acabasse com o voto obrigatório aqui, a abstenção aumentaria exponencialmente?
Dias Toffoli — Penso que não. O brasileiro gosta de votar. E, hoje, apesar do voto ser dito obrigatório, a multa pelo não comparecimento é de R$ 3,50. É insignificante e a justificação é muito fácil. Não há muita dificuldade. Penso que não cairia o comparecimento. No Brasil, contando a abstenção e as justificações, temos um comparecimento de 80%. Quinze por cento a mais do que foi no Reino Unido com o voto facultativo.
ConJur — O senhor é a favor do voto obrigatório?
Dias Toffoli — Sou, principalmente para que as pessoas tenham a noção do dever que é de viver em sociedade e participar da construção e das decisões da sociedade. Mesmo que seja para votar nulo.
ConJur — E no México, como foi?
Dias Toffoli — No México, a situação é um pouco diferente. Verificamos que ainda há no país aquela ideia da revolução permanente. Que uma grande parte da sociedade mexicana não acredita nas instituições. É até curioso que dois partidos lá, o PRI e um filho do PRI, que é o PRD. O PRI é Partido Revolucionário Institucional, que decorre da famosa revolução mexicana e que, nos anos 90, deu à luz essa nova legenda.
ConJur — O PRI é de 60 anos atrás, não é não?
Dias Toffoli — Exatamente. Que por mais de sessenta anos, todos os presidentes da república mexicana foram do PRI. E a maior parte dos governadores. Lá é um estado federal, como o Brasil. São trinta e dois estados. A maioria deles, vinte e dois deles, governados pelo PRI. E o PRI voltou ao poder recentemente depois de doze anos fora do poder. Pois bem, o PRI, ele é um partido revolucionário institucional. E tem o revolucionário no nome exatamente porque a sociedade mexicana, ela tem essa ideia do revolucionário. O seu filho, PRD, Partido Revolucionário Democrático, não é? E por aí vai. Então, no México, o voto é facultativo. O comparecimento não chega à metade da população. Pouco menos da metade da população comparece na média nacional. Então, há uma descrença no setor político. Há muita dúvida. Por isso, o México passou por uma reforma político-eleitoral no ano passado para as eleições desse ano, e para as eleições presidenciais que devem ocorrer em 2018. E quais foram essas, as grandes mudanças? Primeiro, seguindo o exemplo brasileiro, uma maior centralização do poder dos órgãos eleitorais. Inclusive se discutiu no parlamento mexicano a unificação dos tribunais que julgam as causas processuais com o Instituto Federal Eleitoral, o IFE, até então existente, para que transformasse tudo aquilo num grande TSE, num grande tribunal eleitoral que organizava e julgava as eleições, tal qual o Brasil.
ConJur — Eu não entendi a diferença. Um é processual, julga só matérias de direito, é isso?
Dias Toffoli — A justiça só julga processo, só julga litígio. Não tem poder administrativo, não tem poder de gestão. Quem tem o poder de organizar as mesas, quem tem o poder de organizar o cadastro eleitoral, as eleições, do ponto de vista administrativo, como é na grande parte dos países no mundo, não é a justiça. O Brasil é um caso raro. E lá era o Instituto Federal Eleitoral, que passou a se chamar Instituto Nacional Eleitoral. Exatamente para dar uma ideia de ser algo nacional, e não algo da federação, que teria os correspondentes estaduais. Então, o Instituto Nacional Eleitoral, ao lado do Tribunal Judiciário Eleitoral e ao lado, que criaram em 2014, da Fiscalia, porque lá não existia um ministério público. Então, essa Fiscalia é uma espécie de Ministério Público para atuar no acompanhamento das eleições. Criaram, então, um maior poder central nos organismos de organização das eleições. Lá estabeleceram que ninguém pode receber mais do setor privado do que do setor público. Pode ter contribuição privada, só que existe um valor de contribuição pública, de fundos públicos. E o valor privado não pode superar o valor público, também é uma metodologia interessante. Se alguém gastar mais de 5% do que os tetos de gastos nas campanhas automaticamente perde o mandato; presume-se que houve abuso do poder econômico.
ConJur — Há outras diferenças?
Dias Toffoli — Outro dado interessante desta reforma de 2014, além de estabelecer maior controle sobre os gastos e tetos e financiamento, é que também estabeleceu a possibilidade de candidatura avulsa. Nessas eleições de junho estava em jogo todo o parlamento mexicano, e estava em jogo metade dos 32 estados mexicanos. 16 estados estavam em disputa. E em um estado ganhou um candidato independente, ou seja, um candidato que não era ligado a partido político nenhum e que lançou a sua candidatura de maneira independente. A legislação garante a esse candidato acesso a rádio e televisão. Garante acesso a recursos públicos em valores menores, em tempos menores do que os candidatos que têm partidos políticos. Mas garante um tipo de acesso para sua divulgação. Então, são características diferentes. Um comparecimento bem menor, mas, de qualquer sorte, uma sociedade que está procurando se institucionalizar.
ConJur — Quanto tempo levou para apurar as eleições no México?
Dias Toffoli — O tempo é maior. Eu saí de lá e ainda não tinha o resultado oficial. Tinha um resultado que eles fazem por amostragem. Até a meia-noite do dia da eleição, eles têm um sistema que faz uma projeção. Que o partido A deve ganhar tantas cadeiras, e que o partido B, que nos estados deve ganhar o governador A, ou o governador B. Mas isso não é uma proclamação oficial, é uma projeção. Continua inseguro até haver uma decisão final, que leva de dois a três dias.
ConJur — Agora, emendando com a questão do TSE, a questão da informatização interna do tribunal. O tribunal é famoso pela urna eleitoral, etc., mas aí é do tribunal para fora. Do tribunal para dentro, como é que está a situação, e se há planos de aprimorar.
Dias Toffoli — O Tribunal Superior Eleitoral é curioso. Porque ele faz as eleições mais modernas, seguras do mundo, do ponto de vista de apuração do voto. E toda a sua área tecnológica foi voltada para o processo de votação eletrônica. Mas temos que melhorar muito o sistema de processo judicial eleitoral.
ConJur — Em que ponto?
Dias Toffoli — A nossa área de tecnologia da informação corporativa, como se fala, do ponto de vista técnico, a TI corporativa para a nossa atividade-meio, como o juiz, como aquele que vai ser, então, o consumidor dos nossos recursos tecnológicos para facilitar com a atividade-meio tecnológica, os nossos votos, os nossos processos, as nossas tramitações, as nossas estatísticas, é uma batalha para obter boas estatísticas das nossas eleições, do número de impugnações que existem a candidatos, às candidaturas, entre outros. Nesse ponto, estamos nos voltando para aprimorar a atividade-meio. Ou seja, a tecnologia do TSE se voltou para a atividade-fim, fazer eleições. E, penso que ficou um pouco de lado a atividade-meio, que é o nosso serviço, seja o judicante… Por isso fiz um acordo agora com o Tribunal Regional da 4ª Região, que é aquele sistema do processo administrativo eletrônico. Processo Administrativo Eletrônico que foi desenvolvido de uma maneira muito inteligente com softwares com capacitações extremamente fáceis de aplicar para que o processo administrativo no TSE seja todo ele eletrônico também. E, em relação ao processo judicial eletrônico, fizemos a opção de nos integrar ao projeto de toda a justiça, que é coordenada pelo Conselho Nacional de Justiça. Talvez se fizéssemos uma outra opção até saísse mais rapidamente o nosso processo judicial eletrônico próprio do TSE. Mas, isso envolveria mais gastos com recursos e nós não estaríamos com o sistema falando, conversando com os outros sistemas da justiça. Eu penso que o melhor é que nós, então, estejamos em conjunto com o CNJ desenvolvendo este projeto do processo judicial eletrônico. E já em agosto iniciaremos um programa piloto baseado nisso que o CNJ está fazendo. Então, para melhorar o nosso sistema de TI interna já estamos implementando, junto com o TRF da 4ª Região, na área do processo administrativo, o programa que é utilizado por eles. Que, inclusive está sendo adotado no CNJ…
ConJur — Qual é a capacidade, hoje, para fiscalizar as contas eleitorais?
Dias Toffoli — O tribunal precisa aumentar muito o número de pessoas voltadas para essa área. Depois que houve a judicialização, em 2009, dos processos de prestação de contas, e a necessidade, então, da justiça conferir tudo isso do ponto de vista judicial. Então é preciso investir em pessoal. Por isso estou preparando um projeto de lei para contratar mais gente. Nas eleições de 2012 foram 535 mil candidaturas. Isto gera 535 mil prestações de contas. São 535 mil processos que são gerados e apresentados à Justiça Eleitoral brasileira em um mês. Do fim da eleição municipal, até 30 dias depois. E isso tem que ser julgado. Nós precisamos ter pessoal para isso. Por isso, também, eu propus ao Congresso Nacional que, na reforma política infraconstitucional, colocasse um dispositivo, tipo um dispositivo guarda-chuva para que o TSE pudesse normatizar uma prestação de contas sumárias para aqueles casos em que as contas são de pequena monta. Vereadores de pequenas cidades, valores… Para que nós não percamos tempo com aquilo que é singelo e voltemos, do ponto de vista estratégico, para as grandes contas. Onde mora o perigo.
Por Márcio Chaer e Pedro Canário / editores da revista Consultor Jurídico

 

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