19 de outubro de 2015

Medidas podem impulsionar capital de risco em negócios nascentes

Startups de base tecnológica precisam do escasso capital de risco, oferta que, no Brasil, está a anos-luz do paraíso norte-americano. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pretende editar uma instrução que promete adubar a lavoura de investidores em startups.
O empresário Arthur Silveira procura uma cara-metade disposta a dividir as mesmas ideias e ambições por um longo prazo, que se dedique a construir uma relação sólida, esteja disposta a compartilhar agruras e, claro, principalmente alegrias. Silveira, 25 anos, típico jovem da Geração Y, busca um bom partido para casar com a pequena empresa familiar situada na turística Gramado. O empresário tem um dote. Por um aporte de R$ 10 milhões a R$ 20 milhões, distribuídos por cinco anos, o presidente da Bela Viagem – plataforma de compra e pagamento de serviços de turismo e lazer – promete entregar muitas emoções, na forma de receita, lucros e inovação.
"Quero o parceiro certo, que veja na Bela Viagem uma nova 99Taxi, uma Netshoes, que são minha inspiração", sonha alto. Desde os 13 anos, Silveira está no rastro do negócio familiar que nasceu como provedor e suporte de websites. O mundo da tecnologia mudou, e o negócio também. Em 2010, o rapaz largou a faculdade de Administração, atraiu as irmãs Michelle e Rochelle para o desafio e criou a Bela Viagem, que estreou como canal de reserva direta para hotéis, depois de venda de ingressos. Em cinco anos, a receita pulou de R$ 1 milhão a R$ 25 milhões (2014). Neste ano, deve ficar em R$ 32 milhões a R$ 35 milhões. "Vai depender do Natal em Gramado", associa o empreendedor. E pode ser mais.
Em 2016, R$ 100 milhões, nos cinco anos seguintes, R$ 100 bilhões. "Preciso de um investidor que aposte no que acreditamos, que é crescer muito e rápido", garante Silveira, que diz ter feito a parte mais difícil. "Validamos a tecnologia, lançamos a máquina credenciadora – a V7. Não é mais ideia, chegamos a R$ 25 milhões sozinhos", gaba-se o empreendedor, que abriu a temporada de caça a pretendentes a sócio. A história da Bela Viagem é comum entre as candidatas a receber capital de risco. Pelo tamanho do aporte almejado, a empresa de Gramado está mais para a modalidade com maior fôlego, no nível de equity. Silveira pode se beneficiar da mudança que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) prepara e que será levada à consulta pública.
A assessoria da institução, que regula o mercado de capitais, confirmou que a instrução com mais atrativos para alavancar a oferta de capital do chamado equitycrowdfunding, que tem se popularizado nas plataformas digitais de financiamento coletivo, será levada à consulta até dezembro. "Estamos acompanhando a prática, regulamentação e legislação internacional", disse a CVM em nota. "A instrução vai definir um novo patamar para as plataformas, que não transacionam recursos financeiros, mas conectam investidores e startups", aposta Frederico Rizzo, diretor e sócio da Broota, que captou R$ 3,4 milhões desde 2013. A instrução 400, de 2003, regula a dispensa de registro de oferta pública para micro e pequenas empresas de sociedade limitada. Mas o limite é de R$ 2,4 milhões por ano.
Rizzo e os demais interessados na nova regra querem expandir a R$ 20 milhões e abrir à sociedade anônima. Plataformas como a Brootas emergiram em 2013 e não param de nascer. Pelo mecanismo atual, foram 36 operações até meados de setembro. A CVM não fala sobre o alcance da mexida. Nos Estados Unidos, a agência de regulação do mercado de capitais (SEC, Securities and Exchange Commission), ampliou, neste ano, para até US$ 50 milhões o volume para equity crowdfunding. Além de financiamento coletivo, há modalidades-anjo, empresários em grupo ou sozinhos que aportam valores menores nas startups. É um ritual de entrada do investidor e do negócio nascente. "O Brasil movimenta 1% do capital que os Estados Unidos injetam, mas temos uma economia que é 10% da deles, dava para elevar o volume", diz Cassio Spina, presidente da Anjos do Brasil. A estimativa é de menos de R$ 700 milhões de capital na modalidade e 8,5 mil investidores-anjo. O potencial seria de R$ 2,9 bilhões em 2015, garante Spina.
O comportamento dos potenciais aplicadores é contracíclico. A Fundação Getulio Vargas (FGV) aponta que a maioria dos donos de recursos quer manter ou ampliar aportes, mesmo em meio à crise. "Isso inclui tudo porque é investimento de longo prazo (três a quatro anos) e em inovação, que independente de conjuntura", elucida o dirigente-anjo. Rizzo diz que 90% dos participantes da plataforma que estão na primeira aplicação, são homens com 35 a 50 anos. "São empresários que querem apoiar (leia-se, ajudar) jovens empreendedores", diferencia o sócio da Broota. Segundo Spina, novas leis, com projetos em exame no Congresso Nacional, podem motivar mais fluxo e incluem menor tributação sobre os rendimentos e manutenção do porte de pequena empresa.
Rizzo acredita que a disseminação do crowdfunding preparará os pequenos a um dia alcançar mercado de capitais de "gente grande", como a bolsa. "As empresas podem escalar maior volume de receita e capital até fazer uma oferta pública", resume.
Anjo dá asas a uma ideia
Irmãos Gabriel e Leandro Oliveira têm o aval de Cesar Leite
Os irmãos Gabriel Luiz e Evandro Augusto de Oliveira estão tendo a chance de mostrar que a sua ideia pode virar um negócio bom para ambos e para Cesar Leite, empresário do ramo de tecnologia da informação, presidente da Processor e integrante da categoria anjo de investidor. As conversas até firmar o contrato de aporte de R$ 100 mil, com entrega de resultado incerta (próprio desse tipo de investida), levaram sete meses. Desde julho, os irmãos se mudaram para uma sala na sede da empresa de tecnologia, situada na zona Norte de Porto Alegre, onde desenvolvem um aplicativo voltado a consumidores finais de varejo, projeto batizado de SpotFinder.
Em três meses de uma espécie de incubação privada (seguindo os modelitos em universidades ou parques tecnológicos), os irmãos dizem que tiveram um avanço (leia-se resultados que indicam o potencial da solução) que levaria mais de ano. O analista de sistema Gabriel Luiz, 34 anos, é um veterano da indústria de TI, atua desde o boom da internet no começo dos anos 2000. O irmão Evandro, aos 26, administrador, virou sócio e atua na gestão. Para a dupla, o aporte do investidor-anjo é a diferença entre tentar emplacar o aplicativo sem capital e mergulhar no projeto, focado no desenvolvimento. "Sem dinheiro, levaria tempo, e talvez perderíamos o momento", diz o analista, que ainda tem o bônus da experiência, contato com o mercado e infraestrutura da Processor.
O empresário reforça que o conhecimento de mercado injetado separa o que é utopia de um projeto viável. "Se uma startup não para em pé em dois anos, seja pela ideia ou volume de negócios, há três razões possíveis: carência de capital, mercado e apoio para desenvolver", resume o experiente empresário. O diretor da empresa de TI é um veterano em aportes para promessas no mundo dos negócios, atua em aceleradora, investe direto e está em fundos. "Nosso papel é fomentar ideias para gerar inovação. Não somos uma fábrica de analisar plano de negócios", adverte Leite. "E não se trata de quanto vai colocar (dinheiro), não é uma aplicação simplesmente, mas se faz sentido o que a intuição diz", traduz o empresário. Em janeiro de 2016, a startup dos irmãos Oliveira vai dizer a que veio.
Destinadores ampliam modalidades de aplicação
Arthur com as irmãs Michelle e Rochelle dirigem negócio familiar e projetam crescimento acelerado
Há um momento em que todo investidor, não importa se ele está na bolsa de valores, ou em um negócio no qual aplicou seu capital diretamente. Trata-se da hora de realizar o ganho. A aceleradora Ventiur, com sede no Estado e que reúne 30 acionistas investidores, está prestes a fazer um desinvestimento (deixar uma startup acelerada), e tudo indica que terá valido muito a pena. O diretor operacional da aceleradora, que é uma sociedade anônima, Tiago Lemos, diz que "o processo de saída pagará toda a operação em 13 empresas nascentes". Em dois anos, a Ventiur direcionou R$ 2,5 milhões para este tipo de negócio. Segundo Lemos, o empreendimento em tecnologia, que recebeu R$ 80 mil, será alvo de uma incorporação.
"Um grande player vai assumir", revela Lemos, sem dar nomes. Mesmo com retorno exponencial, o diretor operacional previne que é "um caso em 50 mil" que integra a estatística de apostas que podem render o sonhado
R$ 1 bilhão ou mais. São as blue chips (lembrando o jargão da bolsa para os papéis mais valorizados ou negociados). A Ventiur está no segundo ciclo de investimento na Beonpop, que atua com redes sociais e que está de mudança para o Vale do Silício, o paraíso das startups.
Além dos aportes via aceleradora, a Beonpop teve injeção de R$ 500 mil de um investidor solo. Lemos aposta que o elenco de bons resultados atrairá mais interessados em reservar parte de seu capital a alavancar os negócios novatos. "Em época de crise, restringe-se a quantidade de capital, mas aumenta a qualidade de investimento, e esse tipo de aplicação pode ser melhor que outras de mercado", contrasta.
Os 20 sócios da Ventiur devem criar clubes de investimento (sociedade em conta de participação), que permitirão aportes por grupos menores e com maior afinidade. A peneira para selecionar o destino do capital ocorre em duas ações, em diversos estados. Segundo o diretor, o foco é aposta em pessoas, não em negócios. "Investimos em bons talentos, que querem aprender com o processo."
Aulalivre.net capta via plataforma digital
Juliana e Silva querem apostar em novos segmentos, como cursos de inglês e preparação para concursos
Os R$ 265 mil obtidos por meio da plataforma digital de captação de investimento de risco Broota irá permitir uma guinada na operação da Aulalivre.net, que opera com vídeo-aulas e briga no mercado de cursos preparatórios para Vestibular e Enem. A captação foi considerada um sucesso pelo Broota e rendeu mais interesse que a necessidade de aporte. O capital será injetado em ações para maior conhecimento de mercado.
Na mira dos dois fundadores da startup, com sede próxima ao Centro Histórico de Porto Alegre, Juliane Marchioretto e Eduardo de Lima e Silva, está desenvolver novos segmentos, como pacotes de aulas de inglês e preparação para concursos. A dupla quer reforçar a munição para brigar pelo mercado nacional de ensino digital, em ampla expansão e que virou campo de disputa de startups. Produtos com preço sob medida para alunos de renda entre C e E alavancam a empresa nascente criada em 2012.
O segmento virou território de disputa acirrada. As aulas da startup já tiveram mais de 30 milhões de visualizações, e hoje são 450 mil inscritos no Brasil e até exterior. A empresa soma mais de 10 pessoas, entre desenvolvedores, cinegrafistas, atendentes que dão suporte por telefone aos usuários, analistas de conteúdos de educação e marketing. O Vestenem foi o primeiro produto comercial e gera receita há um ano. O ingresso de investidores, por enquanto, não prevê a participação acionária, opção que pode ou não ser realizada, segundo o modelo de oferta. O líder da captação, o investidor-anjo Bernardo de Barros Franco, deve acompanhar de perto seguindo o formato de mentorias.
O Aulalivre.net tem 480 mil estudantes inscritos. Os usuários estão entre a conclusão do Ensino Médio (e buscam reforço) e quem esticou um pouco a idade para tentar entrar no Ensino Superior. A faixa etária predominante vai de 15 a 25 anos. "Havia receio de ficarmos mais no Estado, mas hoje temos usuários por todos o País e acessos em países como Angola e até no Japão", mapeia Silva.
Fonte: Jornal do Comércio

 

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