5 de janeiro de 2016

Descaso do Estado na área social causa indignação e revolta

Máquina pública inchada ou sem preparo para atender usuários resulta em serviços ineficientes, em áreas como a Previdência e a saúde, mas carga de impostos só cresce
Indignação e revolta. É o que sente a cuidadora de idosos Márcia Oliveira, de 45 anos, inconformada com o descaso do Estado na área social. Sempre que precisa levar o aposentado Pedro Antunes, de 90, para resolver pendências muitas vezes sem complexidade com a Previdência Social ou receber atendimento básico em um hospital, se depara com má vontade, ineficiência e excesso de burocracia. “Estou uma fera com esse Estado, que favorece poucos e pune a maioria”, diz Márcia. “Enquanto as famílias se ajustam à triste realidade do país, cortando até itens necessários do orçamento, os governos continuam inchados, consumido mais e mais impostos e aumentando o endividamento. Até quando vamos pagar por isso?”, indaga.
Márcia não está exagerando. No Orçamento da União de 2016, sancionado pela presidente Dilma Rousseff, em vez de corte de gastos para equilibrar as finanças, o governo está contando com mais impostos. A meta é ressuscitar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que, a cada ano, sugará pelo menos R$ 32 bilhões das famílias e das empresas. O tributo virá sem que o governo tenha cumprido a meta de reduzir a estrutura federal, com redução de cargos comissionados.
O inchaço do Estado pode ser medido pelo tamanho da carga tributária do país, que passou de 25% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma da produção de bens e serviços do país), em 1991, para quase 36% em 2015. Essa relação é superior à registrada na maioria dos países emergentes e se equipara à média de 35,9% verificada entre as nações mais ricas que integram a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Ao sugar tantos recursos da sociedade, o Estado trava o desenvolvimento e compromete o futuro. “O gigantismo estatal favorece grupos com interesses específicos. Nada do que se proponha para pôr fim a privilégios avança”, afirma José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV).
APARELHAMENTO
Um Estado ineficiente vai além do aparelhamento, assinala o economista Bruno Lavieri, sócio da 4E Consultoria. “Um Estado grande pode se caracterizar por duas frentes: uma, pelo grau de intervenção na economia; outra, pela carga de tributos. No caso brasileiro, prevalecem as duas”, diz. Ele reconhece que, com as recomposições dos preços da energia e dos combustíveis, que, em 2015, retiraram mais de R$ 120 bilhões do orçamento das famílias, a intervenção direta do Estado na economia diminuiu um pouco, mas, em relação à carga tributária, dificilmente se verá num futuro próximo uma redução voluntária por parte do governo.
"Os ajustes fiscais que vimos nos últimos 20 anos não se deram por meio do corte de despesas, mas pelo aumento de receitas, ou seja, mais impostos”, ressalta. Há outro empecilho gritante: quase 90% das despesas da União são obrigatórias. As amarras foram aumentando ao longo de anos muito mais por interesses políticos do que por necessidade real.
Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da ONG Contas Abertas, não esconde o ceticismo. E, para justificá-lo, cita o inchaço da folha de pessoal do Executivo Federal. Entre 2002 e 2015, ingressaram na administração pública 129.880 servidores, mas a qualidade dos serviços não melhorou. No total, são 628,7 mil funcionários ativos. Na estrutura administrativa, há cerca de 100 mil cargos com gratificações, sendo que 22,5 mil são os chamados Direção e Assessoramento Superior (DAS), que aumentaram 22% nos últimos 13 anos.
Chama a atenção, sobretudo, o fato de esses cargos não terem políticas claras para as nomeações. Em vez da competência técnica e da meritocracia, prevalece a fidelidade partidária, prejudicando a qualidade do serviço público de forma geral. Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) realça as distorções. Mostra que as despesas com pessoal caminham para R$ 250 bilhões, com crescimento médio de 10,4% desde 2005. Desde 1991 os gastos públicos crescem em ritmo mais acelerado que a renda da população e que o PIB, um dos motivos que levaram ao descontrole fiscal do país.
Tributos reforçam renda concentrada
Mestre em criar impostos, o Brasil promove o maior programa de transferência de renda às avessas do planeta. Ao tributar, sobretudo, o consumo, faz ricos e pobres pagarem igualmente para financiar uma máquina ineficiente. Como a pesada carga tributária de 36% do Produto Interno Bruto (PIB), uma das maiores do mundo, é insuficiente para garantir o equilíbrio das contas públicas, o país é obrigado a ampliar a dívida para cobrir o rombo crescente. Com isso, transfere mais de 8% de toda a riqueza produzida em um ano em forma de juros para o bolso dos investidores que aplicam em títulos emitidos pelo Tesouro Nacional.
A distorção é enorme. Apenas entre janeiro e novembro de 2015, o Brasil desembolsou R$ 449,7 bilhões em juros da dívida, o equivalente a 8,3% do PIB. A quantia corresponde a 2,5 vezes o que o governo gastou com o programa social Bolsa-Família desde a sua criação, em 2003, isto é, R$ 182,4 bilhões em 12 anos. Essa conta tende a ficar cada vez mais elevada. Em 2016, economistas independentes apostam em que a taxa básica (Selic), aquele que remunera os títulos do governo no mercado financeiro e serve de referência para as operações nos bancos e no comércio, subam a 15,75% ao ano, ante os atuais 14,25% anuais.
Além de reduzir a capacidade do governo de investir, o aumento dos juros tende a encarecer o crédito, que já anda escasso. Assim, as empresas suspendem a ampliação de fábricas e as famílias adiam o consumo, postergando a retomada do crescimento econômico. Apesar de ter inventado 532 normas gerais e 31 regras tributárias por dia e ter aplicado 63 impostos diferentes, o Estado não é capaz de manter as contas em ordem. A União está com um rombo de quase 10% do PIB. Estados e municípios mal conseguem pagar a folha de pessoal.
O presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), João Eloi Olenike, explica que o total de tributos e regras não para de crescer no país porque há muita gente legislando. “São medidas provisórias, normas, decretos, resoluções baixadas pelo Executivo, pela Receita Federal, pelo Banco Central. É uma aberração”, afirma. Nos Estados Unidos, há um tributo sobre o consumo, que vai de 6% a 12%. E mais impostos sobre a renda e o patrimônio. “No Brasil, é o inverso. Temos quatro grandes tributos que incidem sobre o consumo, fora o que está embutido no preço final ao consumidor”, enumera o presidente do IBPT.
Fonte: EM / Rosana Hessel e Simone Kafruni

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