14 de abril de 2015

A Lei Anticorrupção pelo Ministério Público

Desde o início de 2014 está em vigor a Lei Anticorrupção, que objetiva reduzir os atos de corrupção empresarial neste país, mediante a aplicação de multas pesadas às empresas corruptoras de funcionários públicos, dentre outras penalidades igualmente severas. Apesar de a legislação já estar em vigor há mais de um ano, muitos executivos discutem se essa lei vai ou não "pegar", porque até muito recentemente a lei sequer havia sido regulamentada na esfera federal.

Vale lembrar que o decreto regulamentador da norma, que parecia ter sido esquecido pela Presidente Dilma Rousseff, acabou sendo sancionado a fórceps no último dia 18 de março, em resposta aos protestos que se espalharam pelo país poucos dias antes. Essa desconfiança do empresariado tem ainda como origem o protagonismo que a CGU terá na aplicação da Lei Anticorrupção. Tudo isso porque, apesar de a CGU ser o órgão do governo federal responsável pela prevenção e combate à corrupção, é de conhecimento notório que, na atual gestão, ela se submete aos interesses e determinações do Palácio do Planalto.

A novidade consiste no fato de ser essa a primeira ação civil pública que se tem notícia com fundamento na Lei Anticorrupção Pois a resposta aos céticos de plantão já foi dada pelo Ministério Público Federal, que no fim de 2014 propôs uma ação civil pública contra três empresas que, alegadamente, seriam responsáveis pelo superfaturamento das obras de construção do trecho 01S da extensão sul da Ferrovia Norte-sul, localizado entre os municípios de Ouro Verde e Santa Bárbara, no Estado de Goiás.

O ajuizamento de uma ação civil pública por si só não consiste em nenhuma novidade, na medida em que ações dessa natureza já vêm sendo ajuizadas há muito tempo, com fundamento na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei de Licitações. A grande novidade consiste no fato de que essa é a primeira ação civil pública de que se tem notícia ajuizada com fundamento na Lei Anticorrupção. Na petição inicial da ação recém-proposta, o procurador da República Helio Telho Corrêa Filho sustenta que as rés teriam violado os dispositivos da Lei Anticorrupção relativos a fraudes em licitações e contratos públicos. Vejam, estamos diante de uma medida judicial em curso pela qual o Ministério Público Federal, com fundamento na Lei Anticorrupção, pode obter a condenação das rés por supostos atos de corrupção, sem a necessidade de comprovar que a cúpula de executivos dessas empresas agiu com dolo ou culpa. Importante ressaltar que, se e quando esta ação for julgada procedente, as rés poderão ser condenadas às seguintes penalidades previstas no artigo 19 da norma: perda dos bens, direitos e valores que representem o proveito econômico obtido direta ou indiretamente com a suposta infração, suspensão ou interdição parcial de suas atividades e, também, proibição de recebimento de benefícios de órgãos públicos, por até cinco anos.

Além disso, o Ministério Público também requer em sua ação a condenação das rés a pagarem multa que pode variar de 0,1% a 20% de seu faturamento bruto no ano anterior à instauração do processo administrativo e, ainda, a publicarem a decisão condenatória em jornal de grande circulação. A ironia desse último pedido tem como origem o fato de que essas sanções administrativas deveriam ser aplicadas contra as empresas pela CGU e demais autoridades competentes. Contudo, existe uma disposição no artigo 20 da Lei Anticorrupção estabelecendo que, em casos de omissão da autoridade competente, pode o Ministério Público formular esse pedido.

O procurador da República se amparou, quando do ajuizamento da ação, na então injustificável ausência de regulamentação da Lei Anticorrupção, a despeito de ela estar em vigor há mais de um ano, para assumir uma função que pela lei deveria ser exercida pelo Poder Executivo. Pois bem, a intervenção do Ministério Público para requerer a aplicação da Lei Anticorrupção poderá se repetir quantas vezes for necessário, caso a CGU e as demais autoridades se curvem aos interesses do poder Executivo e deixem de fazê-lo.

O outro ponto que chama bastante atenção consiste no fato de que os contratos objeto da ação civil pública terem sido firmados em 2011, ou seja, muito antes da entrada em vigor da Lei Anticorrupção, de maneira que se poderia alegar que essa nova legislação não seria aplicável ao caso. Esse, aliás, é o entendimento que vem sendo manifestado pelo governo federal, talvez porque seja aquele que melhor lhe convenha. Contudo, no entender deste procurador da República, apesar de firmados em 2011, esses contratos foram objeto de diversos aditivos e continuam produzindo efeitos até a presente data, de maneira que a Lei Anticorrupção seria, sim, aplicável neste caso específico. Caso este entendimento se sustente no Poder Judiciário, teremos um importante precedente aplicado em desfavor das empresas envolvidas na operação Lava Jato, que podem ser condenadas não só ao pagamento de multas pesadíssimas como, a depender das circunstâncias, a encerrar suas atividades. De qualquer modo, independentemente do desfecho desta ação civil pública, sua propositura deixa claro que, a despeito da nítida falta de interesse do governo federal pela Lei Anticorrupção, esta lei está em pleno vigor, e acabou "pegando", por conta dos louváveis esforços do Ministério Público, aqui reconhecidos. Infelizmente, ainda existe muita gente afirmando que o "Brasil é o país da Impunidade", que a corrupção está enraizada no dia a dia dos negócios com o poder público, que programas de compliance representam um custo e diminuem a competitividade da empresa.

Felizmente, ações civis públicas como esta serão a regra nos próximos anos e tendem a modificar a forma de pensar dos executivos brasileiros de uma maneira bem dolorosa aos seus bolsos: o valor destinado aos seus bônus será utilizado para o pagamento das substanciais multas previstas na Lei Anticorrupção. Eloy Rizzo Neto é mestre em arbitragem e direito concorrencial pela Kings College London e advogado sênior integrante da Área de Anticorrupção & Compliance do KLA-Koury Lopes Advogados Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.
Fonte:  Valor Online

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