9 de fevereiro de 2015

Por que o gasto com seguro-desemprego não para de crescer?

Um dos grandes enigmas da economia brasileira é o contraste entre o persistente aumento dos gastos com o programa de seguro-desemprego e a acentuada redução das taxas de desemprego observados nos últimos 12 anos.
Enquanto a taxa de desemprego medida pela PME caiu de uma média anual de 12,3%, em 2003, para 4,8%, em 2014, os gastos com seguro-desemprego subiram de R$ 6,6 bilhões, em 2003, para cerca de R$ 36,8 bilhões, em 2014 –alta de 204%, acima da inflação do período.
As substanciais elevações do salário mínimo (65,7% acima do IPCA) e do grau de formalização do mercado de trabalho brasileiro (aumento de 75,8% de trabalhadores celetistas) entre 2003-2014 são os principais responsáveis.
O outro fator é a elevada taxa de rotatividade do trabalho no país. O que surpreende alguns analistas é que o número de demitidos sem justa causa não seguiu a queda da taxa de desemprego. Na verdade, aconteceu o contrário. A proporção dos trabalhadores CLT demitida sem justa causa subiu de 41,5% em 2003 para 44% em 2013, com pico de 46,2% em 2010, segundo o Ministério do Trabalho.
O fato a ser destacado é que a rotatividade do trabalho no Brasil é altamente pró-cíclica. Quando a economia vai bem, não apenas aumenta o número de pessoas que pedem demissão voluntariamente, o que é comum em outros países, mas aumenta também o número de trabalhadores demitidos involuntariamente.
Isso fez com que a proporção de beneficiários do seguro-desemprego tenha se mantido praticamente constante entre 2003-2014 na faixa de 16,5%-17% do contingente formal de trabalhadores.
Já há certo consenso de que a taxa de rotatividade é um dos maiores problemas do mercado de trabalho no Brasil, tendo atingido números espantosos. Levando em conta todos os motivos, o total de vínculos trabalhistas rompidos ao longo de um ano corresponde a 64% dos vínculos ativos no final do ano anterior, com pico acima de 66% observado nos anos de 2010 e 2011.
Essa elevada rotatividade ocorre em grande parte devido aos incentivos embutidos na legislação trabalhista. Há várias disposições da legislação que só existem no Brasil e que desincentivam relações de trabalho duradouras, ao tornar rentável, a curto prazo, tanto para firmas quanto para trabalhadores, o rompimento precoce do vínculo.
O programa de seguro-desemprego convive com o FGTS, que cumpre funções semelhantes e oferece retorno abaixo da inflação, o que aumenta o incentivo a acessar o saldo via demissões. Por outro lado, por determinação constitucional, o benefício do seguro-desemprego não pode ser inferior a um salário mínimo. Isso significa uma taxa de reposição de 100% do salário para o trabalhador que recebe um salário mínimo. Nos demais países, essa taxa varia de 50% a 80%.
Se somarmos todos os benefícios e indenizações (três parcelas de seguro-desemprego; aviso prévio; 13º salário, férias e adicionais pro rata; saldo do FGTS e multa de 40%), um trabalhador brasileiro que recebe um salário mínimo e que tenha permanecido 6 meses no mesmo emprego tem direito a receber 6,15 salários mínimos se demitido sem justa causa.
Há evidências claras de que esses incentivos induzem, de fato, as demissões sem justa causa. Os dados da Rais mostram que o número de vínculos trabalhistas CLT desfeitos por demissão sem justa causa aumenta substancialmente quando o trabalhador completa seis meses de tempo de serviço. Em 2013, há um salto de 606 mil para 712 mil demissões involuntárias de trabalhadores com 5 e 6 meses de tempo de serviço, respectivamente.
Sobre os falsos acordos de demissão, convido o leitor a entrar no sítio Yahoo! Respostas e digitar "acordo demissão" no ícone "Buscar em respostas". Acessei 2.664 entradas. O exemplo típico é de uma trabalhadora que diz que gostaria de sair, mas pergunta como ser mandada embora, se é possível "fazer um acordo" com a empresa. Afinal, ela gostaria de acessar FGTS e seguro-desemprego.
Muitos dos que respondem avisam que "isso é fraude", mas "é muito comum". De acordo com os depoimentos, as empresas em geral só exigem em troca a devolução da multa de 40% do FGTS. Quando não há acordo, muitos forçam a demissão –qualquer empresário sabe como é difícil manter um trabalhador insatisfeito.
REMÉDIO IMPERFEITO
Ao final de dezembro, o governo emitiu medida provisória que, entre outras medidas bem-vindas que visam coibir abusos nos gastos com pensões por morte, abono salarial e bolsa-pesca, só age no sentido de dificultar o acesso ao seguro-desemprego nas duas primeiras solicitações.
A mudança mais brusca se concentrou na primeira solicitação. Em vez de comprovar 6 meses de emprego formal nos últimos 36 meses, o trabalhador tem que mostrar que trabalhou 18 meses com registro nos últimos 24.
Pelas contas do governo, mais de 50% dos trabalhadores que solicitaram o benefício pela primeira vez em 2014 não seriam elegíveis a recebê-lo sob as novas regras.
A mudança é excessivamente radical, com foco apenas no aspecto fiscal do seguro-desemprego, sem levar em conta os demais incentivos. Os principais afetados seriam trabalhadores jovens e de setores com elevada rotatividade, como construção civil e agricultura, aos quais seria praticamente vedado o acesso ao benefício.
Na prática, a MP introduz um desincentivo à formalização de trabalhadores que nunca solicitaram o seguro-desemprego. Por outro lado, os defeitos da atual legislação continuariam intocados para os que já solicitaram o benefício duas vezes.
Como a MP só entraria em vigor em março, espera-se uma elevação nas quebras de vínculos trabalhistas em janeiro e fevereiro, com a corrida de trabalhadores que nunca usaram o seguro-desemprego para recebê-lo antes das novas regras.
O que fazer? O ideal seria reduzir moderadamente o acesso independentemente de qual solicitação e aumentar os incentivos para que tanto trabalhadores quanto empresas prefiram relações de trabalho mais longas.
Só assim o país obteria reduções significativas da rotatividade, o que geraria ganhos fiscais e de produtividade no médio prazo.
Fonte: Folha de São Paulo

 

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